segunda-feira, setembro 21, 2009

O Pré-sal é deles?

Oposição "clona" emenda de petrolíferas

Três deputados apresentam propostas idênticas contra monopólio da Petrobras na extração de poços novos no pré-sal

Teor das propostas coincide com posição de grandes petrolíferas; deputados admitem que seguiram orientação do setor


RANIER BRAGON
FERNANDA ODILLA
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Três deputados federais de oposição apresentaram separadamente emendas aos projetos do pré-sal que, além de coincidirem com os interesses das grandes empresas do setor petrolífero, têm redação idêntica.
José Carlos Aleluia (DEM-BA), Eduardo Gomes (PSDB-TO) e Eduardo Sciarra (DEM-PR) sugeriram em suas emendas diversas modificações às propostas do governo, entre elas uma das bandeiras das gigantes do petróleo: a de que a Petrobras não seja a operadora exclusiva dos campos.
"A previsão legal de um monopólio ou reserva de mercado para a Petrobras não se justifica em hipótese alguma", diz trecho nas emendas dos três.
O IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo), que reúne as principais empresas do setor, confirmou que procurou em Brasília lideranças de oito partidos, entre quarta e ontem, mas negou a autoria das emendas "clonadas", embora o teor coincida com o que o setor defende.
"Trabalhamos durante todos esses dias. Começamos a nos movimentar no Congresso, e de maneira institucional, porque o IBP é apartidário. Queremos tornar públicas nossas emendas para todos os partidos. Tinham partidos dispostos a acatá-las integralmente, outros estavam analisando", disse o presidente do IBP, João Carlos França de Luca, da espanhola Repsol, uma das multinacionais do petróleo.
Termina hoje o prazo para apresentação de emendas. Até ontem, 738 emendas já haviam sido apresentadas.
Eduardo Gomes admitiu que a emenda foi entregue a ele pelo setor. "Tenho contato com todas as associações, todas, o IBP, Sindicom [distribuidoras de combustível e lubrificantes], não tenho nenhum constrangimento em relação a esse tipo de auxílio", afirmou, acrescentando que os textos idênticos podem ter sido fruto de um "assessor preguiçoso". "Não tenho doação de campanha dessas empresas. Sempre tive doação no setor elétrico, voltado à área de regulação, de fortalecimento das agências reguladoras, defendendo investimento em parceria com o mercado. As emendas estão coerentes com a minha atuação".
Sciarra também diz que acatou as sugestões dos consultores do setor petrolífero. "Eu e o Aleluia fizemos o debate e pedimos para a assessoria do DEM formular as propostas. No caso do Eduardo Gomes, não sei o que aconteceu."
Aleluia afirmou que redigiu suas emendas com auxílio da assessoria do DEM e de consultores externos. "Não conversei com empresas, contei com a ajuda de consultores independentes", afirmou ele.
Segundo a Folha apurou, as emendas clonadas eram parte de versões preliminares preparadas por petrolíferas e repassadas aos deputados por consultores e representantes de empresas. As emendas entregues oficialmente aos parlamentares pelo IBP têm redação diferente, mas teor idêntico nas propostas de mudanças.
Além dos três deputados, outras emendas que coincidem com os interesses das grandes empresas foram apresentadas por outros parlamentares, como Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM, e Arnaldo Jardim (PPS-SP), que presidirá uma das comissões dos projetos de um novo marco regulatório para o setor petrolífero enviados pelo governo ao Congresso.
Caiado disse que todas as suas emendas foram redigidas por sua assessoria, embora tenha dito que debateu o assunto com os setores afins. Jardim afirmou não ter tido tempo de analisar as emendas do IBP e que seguiu suas convicções.
"Acho legítimo que qualquer pessoa interessada nos procure para sugerir melhorias", disse Caiado. Ele apresentou emenda para permitir que a Petrobras ceda a operação de alguns campos para outras empresas petrolíferas, ideia que agrada também à própria estatal.
Além do fim do monopólio da Petrobras na operação dos novos campos, o setor privado defende, entre outros pontos, a redução do poder da Petro-Sal (a estatal que gerenciaria o novo modelo) nos comitês de exploração e o fim da exigência de que a Petrobras tenha no mínimo 30% de participação em todos os novos campos.

Texto da Folha de São Paulo, de 18 de setembro de 2009 (I).

Empresas interessadas no pré-sal doaram R$ 28,5 mi

No Senado, 30% dos senadores receberam financiamento do setor em 2006

Na Câmara, 65 dos 513 deputados receberam doações do setor, inclusive congressistas que integram comissão do pré-sal


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O grupo de empresas diretamente afetado pelos quatro projetos de lei que tratam das regras para a exploração do pré-sal doaram a candidatos, nas eleições de 2006, um total de R$ 28,5 milhões, com destaque para o Senado, onde 30% de sua atual composição recebeu financiamento do setor.
Para efeito de comparação, o valor das doações, legais e registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), representa 27% do que a campanha presidencial de Lula arrecadou naquele ano, mas não inclui as doações que as empresas fizeram de forma oculta. Isso ocorre quando as empresas aproveitam brechas na legislação para doar aos candidatos via comitê único ou partido, o que praticamente impossibilita a ligação doador-candidato.
Além disso, a legislação eleitoral proíbe que empresas estrangeiras, que têm forte atuação no setor petrolífero nacional, façam doações.
No Congresso, o principal beneficiado foi o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que já trabalhou no grupo Shell e foi diretor da Petrobras.
Delcídio recebeu R$ 800 mil da UTC Engenharia. Na lista dos dez senadores com maior financiamento do setor (nas eleições de 2006 e 2002, já que o Senado não coloca todas as cadeiras em disputa a cada eleição), há cinco de partidos governistas e cinco da oposição.
Na Câmara, 65 dos atuais 513 deputados federais receberam recursos do setor, entre eles parlamentares hoje titulares da comissão que tratará do principal projeto do pré-sal, o que define o marco regulatório da exploração, e o ex-ministro Antonio Palocci (PT-SP), relator do projeto do Fundo Social que será abastecido com os recursos da exploração.
O deputado que mais recebeu do setor foi Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), com R$ 300 mil da Unipar (União de Indústrias Petroquímicas). Na lista dos dez mais beneficiados, há oito integrantes de partidos governistas e quatro de oposicionistas.
As empresas que mais doaram foram a Ipiranga, adquirida em 2007 por um grupo de empresas, entre elas a Petrobras, a Egesa Engenharia, a Unipar, a UTC Engenharia e a Braskem.
A Folha tomou como base três fontes para reunir o grupo de empresas diretamente afetado pelos projetos: 1) a lista de empresas qualificadas para a décima rodada de licitações da ANP (Agência Nacional do Petróleo) para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural; 2) a lista de concessionárias para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural; e 3) a lista de associados do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis).
(RANIER BRAGON E FERNANDA ODILLA)

Texto da Folha de São Paulo, de 18 de setembro de 2009 (II).

Empresas agiram com transparência, afirma associação

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A associação das empresas do setor petrolífero afirma que elas agiram com transparência e respeitaram a legislação ao procurar congressistas para alterar os projetos do pré-sal. Também diz que seguiram à risca as regras para financiar campanhas em 2006.
João Carlos França de Luca, presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), associação que reúne as principais empresas do setor, afirmou que a entidade está atuando de forma apartidária e negou relação com as emendas "clonadas".
"O IBP é uma instituição apartidária, tem 230 empresas associadas e defendemos o que é comum para o setor. Não podemos responder por eventuais ações isoladas de nossos sócios", disse ele, afirmando ainda que vai averiguar o que pode ter ocorrido em relação às emendas.
O empresário afirmou que conversou e entregou as emendas do instituto a lideranças de oito partidos, governistas e de oposição, e também ao líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Além disso, afirma, procurou nesta semana o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-diretor da Petrobras e o congressista que mais recebeu recursos do setor em 2006.
"Não há constrangimento porque as empresas que colaboraram com minha campanha não atuam apenas na área do petróleo. Além disso, independentemente do modelo a ser adotado, elas estarão no jogo porque são empresas consolidadas", disse o senador, afirmando ter recebido sugestões de empresários. Amaral prometeu analisá-las a partir de amanhã.
Na Câmara, ACM Neto (DEM-BA), o deputado que ganhou o maior montante do setor nas últimas eleições, disse não estar participando diretamente da discussão do pré-sal. Ele afirma que não vai apresentar emendas e ressaltou que, por integrar a Mesa da Câmara, não pode integrar as comissões especiais que tratam do pré-sal.
A Folha procurou as principais doadoras nas eleições de 2006. As empresas que se dispuseram a falar afirmaram que as transferências de recursos estão registradas no Tribunal Superior Eleitoral e não têm relação com novas regras do pré-sal.
"Todas as doações da empresa são feitas com total transparência, seguindo os parâmetros legais, e diretamente a candidatos e partidos", disse a assessoria da UTC. "É provável que a empresa continue a contribuir financeiramente para a campanha de candidatos oriundos das regiões em que ela tem presença. A escolha recai sobre aqueles que incluam em suas plataformas eleitorais e em sua prática política compromissos alinhados aos princípios do desenvolvimento sustentável, compartilhados pela Braskem", afirmou a assessoria da empresa.

Texto da Folha de São Paulo, de 18 de setembro de 2009 (III).

É o jogo pesado das empresas exploradoras de petróleo. Mas neste caso a informação está aberta. É uma rara muito boa reportagem da Folha de São Paulo.


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