terça-feira, junho 01, 2010

Direitos fora de moda

Direitos fora de moda

SÃO PAULO - Não mereceu muita atenção da imprensa brasileira o relatório da Anistia Internacional, divulgado anteontem em Londres. Não terá sido por falta de assunto.
Lula adora fazer graça com o sumiço do FMI do noticiário, já que os credores, agora, somos nós. Mas isso não se aplica à pauta da Anistia. Em relação aos direitos humanos, o país ainda é um devedor contumaz.
Vítimas de tortura e de execuções por policiais, superlotação de presídios, populações faveladas à mercê do tráfico ou de milícias, assassinatos e trabalho escravo no campo -a lista de ocorrências "degradantes, desumanas e cruéis" no país é extensa, embora a própria Anistia reconheça alguns avanços.
O relatório se refere a 2009, mas não escaparam aos representantes da ONG em visita ao Brasil dois "casos" emblemáticos já deste ano.
Primeiro, os dois motoboys espancados até a morte por PMs paulistas, com intervalo de um mês entre um e outro. Segundo, o julgamento "histórico" de abril, quando o STF decidiu por 7 a 2 que não lhe caberia alterar a Lei da Anistia a fim de possibilitar o julgamento dos que torturaram na ditadura.
Na ocasião, Carlos Ayres Britto (derrotado ao lado de Lewandowski) argumentou que, diante do "monstro" que é o torturador, "não se pode ter condescendência". O Brasil, no entanto, tem -e muita.
O colunista Marcos Nobre foi bem ao ponto: "O STF manteve em vigência uma lei sem examinar de fato se ela é compatível com a Constituição. É verdade que seria um exercício de ginástica intelectual digno de medalha conciliar Estado democrático de Direito e tortura".
O fato é que a repercussão da decisão do STF foi escassa, como se ali estivesse em jogo apenas a dor pretérita de algumas poucas famílias destroçadas, e não a nossa capacidade de contemporizar diante do intolerável -ontem como hoje.
Os alertas da Anistia também já não comovem como antes. O Brasil está na moda. E falar de direitos humanos ficou incrivelmente velho.

Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 28 de maio de 2010.

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