quinta-feira, maio 20, 2010

Corte Interamericana de Direitos Humanos julga Brasil por crimes contra guerrilheiros do Araguaia

A Corte Interamericana de Direitos Humanos começou nesta quinta-feira (20) a audiência pública na qual o Brasil terá que responder pelas acusações de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de pessoas em operações de repressão à Guerrilha do Araguaia, na década de 1970.

Para emitir seu julgamento, o órgão sediado na Costa Rica vai ouvir, entre hoje e amanhã, os depoimentos de representantes das vítimas, as conclusões da comissão interamericana e a defesa do Estado brasileiro, que está a cargo de uma delegação interministerial. O anúncio da sentença está previsto para novembro.

O processo é consequência de uma petição de agosto de 1995 movida por ONGs junto à Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH). Desde então, organismo analisou o caso e sugeriu ao Brasil uma série de medidas reparatórias. Como o país não concretizou as sugestões, a Comissão encaminhou a denúncia à Corte, que é a última instância para o caso.

De acordo com os documentos da Corte, “a demanda se relaciona com a suposta detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, resultado de operações do exército brasileiro entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil”.

Para justificar a pertinência do caso, o organismo, acrescenta que “em virtude da Lei da Anistia, o Estado [brasileiro] não realizou uma investigação penal com o objetivo de punir as pessoas responsáveis” e “os recursos judiciais de natureza civil com objetivo de obter informação sobre os fatos não foram efetivos”.

O Brasil alega em sua defesa que não se esgotaram os recursos internos para análise da questão, que não houve violação à legislação internacional e que as sugestões anteriores já foram acatadas.

A demanda original foi apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) e pela Human Rights Watch/Americas (HRWA). Mais tarde, se apresentaram como co-peticionários o Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos (CFMDP).

Caso particular

Consultado pelo UOL Notícias, um porta-voz da Corte Interamericana declarou que se trata de um caso sem precedentes na história do organismo internacional.

“Cada caso é único, é importante se lembrar disso, mas esse processo é especial, tem uma série de particularidades. A corte já julgou casos de tortura, desaparecimento, mas agora são dezenas pessoas que supostamente foram vítimas [de violações dos direitos humanos]”, explica.

Vai pesar na decisão do organismo o fato de que o Brasil vivia uma ditadura durante o caso? “Não. A corte julga apenas se houve violação dos direitos humanos, independente do governo que estava no poder, essa não é a questão”, respondeu o porta-voz.

Além disso, a corte não busca estabelecer a culpa de indivíduos, mas indicar se um determinado Estado infringiu ou não os artigos da Convenção Interamericana. O resultado, que deve demorar seis meses para ser anunciado, é inapelável e seu acatamento é obrigatório.

“Em caso de condenação, a corte faria duas coisas: estabelecer qual foi a violação cometida pelo Estado brasileiro e depois indicar medidas de reparação às vitimas”, explica o porta-voz.

Essas medidas podem ter caráter econômico, como no caso de indenizações, ou podem ser decididas em função das características do caso. A corte pode decidir, por exemplo, que seja criada ou revogada uma lei para que o país esteja de acordo com os regulamentos internacionais. Em outro caso, envolvendo a Colômbia, a corte chegou a ordenar que os militares do país tivessem formação em direitos humanos.

Representação

Comparecem à audiência na Costa Rica como testemunhas das vítimas Belisário dos Santos Júnior (advogado de militantes), Danilo Carneiro (preso durante as operações no Araguaia). Como testemunha do Estado, Edmundo Teobaldo Müller Neto (advogado da União), e Jaime Antunes da Silva (diretor do Arquivo Nacional).

Como peritos, devem depor pela comissão Damián Miguel Loreti Urba (especialista em leis de sigilo). Pelas vítimas, falarão Paulo Endo (psicólogo, para comentar efeito da falta de informação sobre as famílias) e Hélio Bicudo (jurista, para comentar os obstáculos contra processos a violadores de direitos humanos da ditadura). Pelo Estado, foram convocados Estevão Chaves de Rezende Martins e Alcides Martins (para comentar a Lei da Anistia).

Na condição de supostas vítimas, falarão Laura Petit da Silva (irmã de Maria Lúcia Petit da Silva, executada, e Lúcio e Jaime Petit da Silva, desaparecidos), Criméia Alice Schmidt de Almeida e Elizabeth Silveira e Silva (ambas também familiares de desaparecidos).

Como testemunhas, prestam declaração Marlon Alberto Weichert (procurador da República), e, pelo Estado brasileiro, José Gregori (ex-secretário de Direitos Humanos) e José Paulo Sepúvelda Pertence (ex-presidente do STF).

Também depõem Flávia Piovesan (especialista nas leis de sigilo brasileiras), Rodrigo Uprimny (especialista em Justiça em processos de transição) e Gilson Langaro Dipp (ministro do STJ).


Notícia de Thiago Chaves-Scarelli, no UOL.

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