quinta-feira, fevereiro 25, 2010

A paz que reina sobre nós

A palavra “pacificação” tornou-se, infelizmente, uma categoria da política gaúcha. Infelizmente porque o seu uso aponta na direção oposta do que parece sugerir. Chega a ser constrangedor ver como essa tese, histórica e intelectualmente indigente, deitou raízes com relativa facilidade no debate político do Estado, ganhando adeptos mais ou menos inocentes, inclusive à esquerda. Juntamente com o discurso do “novo”, a pacificação adquiriu ares de agenda política, econômica e cultural. Uma máscara, como se sabe, que esconde a verdadeira face daqueles que a ostentam. Uma máscara que é retirada do armário apenas em alguns momentos estratégicos, quando é preciso esvaziar o debate político de sentido, memória e história.

Esta fraude começou na campanha eleitoral de 2002, com Germano Rigotto (PMDB). O então deputado federal foi eleito pregando o fim da “guerra” entre o PT e Antonio Britto. Assim mesmo, entre o PT, representado por Tarso Genro naquela eleição, e Britto. O PMDB, partido que governou o Estado com Britto de 1995 a 1998 e implementou uma agressiva política de privatizações, apresentou-se na campanha de 2002 como algo novo que não tinha nada a ver com esta “guerra”. Ninguém pregou a “pacificação”, é claro, quando o PMDB declarou guerra às empresas públicas no Estado. E a paz veio. A vitória de Rigotto, o candidato da pacificação e da terceira via, prometeu uma nova era, de paz e prosperidade, para gaúchos e gaúchas.

Quatro anos após um governo insosso, a população avaliou o legado do pacificador. Reprovado! Sequer foi ao segundo turno da eleição de 2006. Ocupou seu lugar a mensageira do novo. Depois da paz, o novo jeito de governar. Mas Yeda Crusius também valeu-se do discurso da pacificação em sua campanha, pregando o fim da polarização entre PT e PMDB no Estado, a necessidade de seguir um “novo caminho”. E o Rio Grande do Sul seguiu um novo caminho. Três anos depois, instituições como Ministério Público Federal, Justiça Federal e Polícia Federal apontavam a existência de uma quadrilha instalada no aparelho de Estado para roubar dinheiro público. A ação desta quadrilha viria desde o governo anterior, o da pacificação.

Chega 2010, uma nova eleição, e, mais uma vez, os arautos da pacificação saem do armário para fazer seu trabalho. Cabe registrar a seletividade da aplicação da tese. Quando a esquerda governou o Estado, a guerra era um dever para os cruzados da direita gaúcha. E ela foi travada do primeiro ao último dia de governo. Nos Pampas, nunca se ouve o clamor pela paz quando a Brigada Militar está reprimindo manifestações de sem terra ou de algum sindicato. Neste caso, a palavra “paz” cede espaço a outros termos: baderna, perturbação. A pacificação não se aplica também às quadrilhas organizadas para roubar dinheiro público. Para estas, as quadrilhas, vale (mil vezes) o benefício da dúvida e a exigência de infinitos fatos novos e provas irrefutáveis.

Em resumo, para dizer em bom português, o discurso da pacificação é uma estratégia chinelona (para usar um termo técnico) da direita gaúcha (para usar outro termo técnico) com um duplo objetivo: colar na esquerda o adesivo da guerra e fazer da direita (que, em sua eterna invisibilidade, nunca se apresenta como tal) a mensageira da paz. Uma estratégia que obteve sucesso nos últimos sete anos, o que só depõe contra a qualidade da capacidade de elaboração política da esquerda gaúcha neste período. E este sucesso tem uma tradução bem concreta: precarização dos serviços públicos, fim de políticas sociais, desmonte da legislação ambiental, saque ao patrimônio público, apropriação de bens públicos pelo grande capital. Essa é a paz que reina sobre nós.

Texto do RS Urgente.


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