A OEA e a reeleição de Insulza
A OEA autônoma conquistou seu espaço
DANTE CAPUTO
NOS ÚLTIMOS dias temos visto algumas opiniões críticas serem expressas com relação à Organização dos Estados Americanos, personalizadas na figura de seu secretário-geral, José Miguel Insulza.
O objetivo das críticas é, sem dúvida, bloquear a possibilidade de Insulza ser reeleito para seu cargo.
O que lemos -relatórios apresentados ao Senado dos EUA, informes de opinião, entrevistas- revela apenas a ponta do iceberg. Mais importante foi o que ficou invisível: as pressões que certos setores da política norte-americana e seus aliados mais tradicionais exercem, dentro e fora de seu país, sobre compatriotas e estrangeiros visando evitar a reeleição.
Os argumentos usados na crítica são fracos e pouco coerentes com os objetivos que se pretendem defender.
Na verdade, o ataque a Insulza não expressa uma polêmica sobre a melhor forma de defender a democracia -antes, é uma forma de luta para ocupar posições de poder.
Um primeiro argumento procura demonstrar que o secretário-geral da OEA não defende a democracia com eficácia e que seu viés ideológico -socialista- o leva a perdoar os erros dos amigos e exagerar os dos adversários.
As lições de democracia são francamente irritantes para os que sofreram ditaduras que mataram e torturaram, para os que foram perseguidos e tiveram que passar boa parte de suas vidas no exílio, para os que fizeram política lutando contra as ditaduras, para os que não herdaram a democracia, mas lutaram para conquistá-la.
Mais ainda quando essas acusações são feitas por pessoas que não manifestaram receios semelhantes em cultivar boas relações com os regimes autoritários do mundo.
Assim como os críticos que acusam Insulza não sabem defender a democracia, eles esquecem que ele foi perseguido pela ditadura por 17 anos, que foi gestor dos consensos no Chile e um dos principais arquitetos da transição e da complexa busca de equilíbrios entre direitas e esquerdas.
Há pouco mais de dois anos, Insulza apresentou para o Conselho Permanente da OEA uma agenda para a discussão da Carta Democrática. Nela se insinuava a ideia de que as ameaças à democracia são mais amplas do que as que existiam em décadas passadas.
Antes, o risco era a destituição dos presidentes. Hoje, podem ser o cesarismo, a pobreza, um Poder Executivo que avança sobre os outros Poderes ou sobre a própria sociedade. A sugestão de debater a questão não foi levada adiante. Apesar disso, alguns acusam o secretário-geral de não se preocupar com o desempenho dos governos democraticamente eleitos.
A impressão que se tem é que o problema é outro. Hoje, a OEA existe politicamente na América Latina e é vista como ator político. Até agora, para muitos países, a organização era a extensão da política externa de um de seus Estados-membros e, assim, sua voz não era levada em conta.
Nesse contexto, soa estranha a concepção daqueles que -em nome da promoção da democracia- querem uma OEA absolutamente alinhada, mesmo que o preço para isso seja a irrelevância da instituição. É difícil entender a utilidade de controlar uma voz que não é ouvida. A não ser que o objetivo real seja evitar que uma voz plural e crescentemente independente ocupe um espaço político na região.
A OEA plural, que recebe críticas da direita e da esquerda (alguns esquecem os epítetos lançados contra Insulza por personagens da região que, segundo os relatórios críticos, seriam seus "protegidos"), está emergindo como referência política. Ela vem levando adiante dezenas de missões eleitorais sem que um único país (nem governo nem oposição) tenha feito objeções ao trabalho da organização. Vem mediando processos de crises políticas, como na Nicarágua, salvando a paz e encaminhando o país em seu processo institucional. Vem atuando de modo preventivo, com discrição, em muitas situações delicadas, evitando a escalada de conflitos.
Essa é uma organização que trabalha sobre a base do consenso. A maior parte de suas decisões é tomada por acordos unânimes. É difícil adotar decisões operacionais com a concordância de todos, mas, quando se consegue, essas decisões têm força e legitimidade. Talvez seja o caso de discutir algumas questões novamente, mas em nenhum caso se pode ignorar essa prática essencial da OEA.
Insulza soube criar uma direção política em um sistema multilateral no qual a prática é conseguir, na medida do possível, a concordância de todos. Chama a atenção o fato de que os que têm anos de atividade política não tenham destacado a conquista que isso representa: tomar decisões sem a discordância de nenhum membro e que, além disso, sejam práticas.
A OEA autônoma, reflexo da pluralidade de seus Estados-membros, conquistou definitivamente um espaço na região. Hoje ela pode fazer mais pela democracia porque não obedece às ordens de ninguém, mas soube construir consensos no território imensamente difícil das diferenças e rivalidades políticas.
DANTE CAPUTO é ex-ministro das Relações Exteriores da República Argentina (1983 e 1989) e ex-secretário de Assuntos Políticos da OEA (2005 a 2009).
Tradução de Clara Allain .
Texto publicado na Folha de São Paulo, de 23 de fevereiro de 2010.Marcadores: Estados Unidos, OEA, política externa dos Estados Unidos
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home