No Rio, policial é treinado para se achar um justiceiro, diz coronel
Rosanne D'Agostino
Enviada especial do UOL Notícias
No Rio de Janeiro
Ser policial no Rio de Janeiro virou sinônimo de controvérsia. Nas operações mais recentes na zona norte, moradores acusaram a polícia de chegar atirando, ocasionando a morte de inocentes, entre eles, a mãe de um bebê de 11 meses, baleada na favela Kelsons, Penha. Para especialistas, o que ocorre é fruto de um treinamento inadequado que, aliado aos baixos salários e uma política falha de Segurança Pública, faz com que o policial se sinta um "justiceiro" em uma guerra particular contra o tráfico.
"O policial do Rio é o mais mal pago, mal treinado, mora em áreas perigosas, em favelas, são submetidos a situações de estresse. Sempre há promessas de melhora, mas nunca nada é feito. Concordo absolutamente com o que o Maierovitch falou (em entrevista ao UOL Notícias - Assista aqui), de que eles são camicases", diz Julita Lemgruber, socióloga e ex-ouvidora da Polícia Civil do Rio.
A especialista em segurança critica a atual forma de combater o tráfico nos morros cariocas, por meio do confronto. "É uma política de inteligência limitada de que esses confrontos são a melhor saída. Tráfico existe em todos os lugares do mundo, mas só no Rio a polícia acha que deve chegar atirando. É preciso mais inteligência e menos truculência", defende.
Na pele da polícia
Jorge da Silva, hoje coronel reserva com 33 anos da Polícia Militar, diz que não anda mais armado por medo. "Quando eu era tenente, capitão, ficava achando que ia prender todo mundo. Mas eu acabei vendo que isso causava situações problemáticas, para mim e para os outros. Sou um perigo armado, sou uma bomba. Quando eu vejo uma injustiça, eu quero me meter", diz.
Isso acontece, segundo ele, pelo próprio treinamento. "O policial é treinado para se achar um salvador, arauto da justiça, um justiceiro. Diante de uma situação complicada, quer resolver tudo sozinho. Perdemos esses dias um coronel exatamente assim. Ele foi reagir a um assalto, achando que fosse resolver a situação, mas outro cúmplice estava na cobertura do bandido e atirou."
Silva nasceu no complexo de favelas do Alemão, um dos mais violentos da cidade. Entrou na PM aos 17 anos. "Existe essa tradição da valentia. O policial é muito afoito, de se indignar, mas ele precisa ser treinado para mediar. O que ocorre é que a polícia, lamentavelmente, é treinada como as Forças Armadas, o Exército, para combater um inimigo. Mas isso não é uma guerra. E, hoje, policiais e bandidos estão travando uma guerra particular no Rio de Janeiro."
Tiro pela culatra
A guerra, segundo o coordenador de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública e Direitos Humanos da UERJ (Universidade do Estado do Rio), é acentuada com a atual política de confrontamento. "Quando se escolhe agir assim, é mais traumático. A ideia é conter a violência, mas isso parte de uma premissa falsa, que não leva em conta que outras pessoas podem morrer, que causa balas perdidas. O propósito é positivo, a intenção é a tranquilidade, mas não é isso que acaba acontecendo."
A isso, se soma a rotina estressante do próprio policial. "Muitos têm problema de alcoolismo, problemas neurológicos. Na polícia, isso se acentua muito. E a tensão não é só quando se está em serviço. É quando está de folga também. É uma tensão permanente, com relação à família. É drástica. E isso é fruto de uma construção antiga, de deixar tudo na mão da polícia. Cria uma guerrinha particular, entre bandido e polícia, como se criminalidade não fosse um problema de toda a sociedade."
Para Julita, "o Rio tem hoje uma polícia extremamente letal e isso não está trazendo paz para a população". "É uma polícia que atua reativamente. Não é invadindo favelas e saindo em seguida, deixando a população sem assistência, que vai se resolver o problema. É inaceitável que a polícia mate bandido. Inocente, menos ainda", completa.
Silva também considera que falta inteligência às ações. "É preciso adotar uma política que entronize a inteligência na polícia, para que ela haja com menos emoção nas ações, evitando mortes."
Ainda conforme a socióloga, o tráfico não justifica uma polícia cada dia mais armada. "No Rio acontecem quatro vezes mais homicídios do que em São Paulo. E dizer que os traficantes têm cada vez mais armas poderosas pode ser visto como mais uma forma de justificar a continuidade dessa truculência."
"Não que o tráfico não esteja bem armado. Indiscutivelmente, eles têm armamento pesado. Mas a polícia tem bem mais. O governo investe", complementa Silva. "Quando derrubaram o helicóptero, disseram que estavam com armas muito letais. Mas, se for seguir essa lógica, daqui a pouco vão querer helicópteros equipados com mísseis. Isso é um discurso de pessoas que querem uma polícia mais repressiva, mais belicista. Mas é uma maluquice", conclui.
Origem: UOL Notícias.
Enviada especial do UOL Notícias
No Rio de Janeiro
Ser policial no Rio de Janeiro virou sinônimo de controvérsia. Nas operações mais recentes na zona norte, moradores acusaram a polícia de chegar atirando, ocasionando a morte de inocentes, entre eles, a mãe de um bebê de 11 meses, baleada na favela Kelsons, Penha. Para especialistas, o que ocorre é fruto de um treinamento inadequado que, aliado aos baixos salários e uma política falha de Segurança Pública, faz com que o policial se sinta um "justiceiro" em uma guerra particular contra o tráfico.
"O policial do Rio é o mais mal pago, mal treinado, mora em áreas perigosas, em favelas, são submetidos a situações de estresse. Sempre há promessas de melhora, mas nunca nada é feito. Concordo absolutamente com o que o Maierovitch falou (em entrevista ao UOL Notícias - Assista aqui), de que eles são camicases", diz Julita Lemgruber, socióloga e ex-ouvidora da Polícia Civil do Rio.
A especialista em segurança critica a atual forma de combater o tráfico nos morros cariocas, por meio do confronto. "É uma política de inteligência limitada de que esses confrontos são a melhor saída. Tráfico existe em todos os lugares do mundo, mas só no Rio a polícia acha que deve chegar atirando. É preciso mais inteligência e menos truculência", defende.
Na pele da polícia
Jorge da Silva, hoje coronel reserva com 33 anos da Polícia Militar, diz que não anda mais armado por medo. "Quando eu era tenente, capitão, ficava achando que ia prender todo mundo. Mas eu acabei vendo que isso causava situações problemáticas, para mim e para os outros. Sou um perigo armado, sou uma bomba. Quando eu vejo uma injustiça, eu quero me meter", diz.
Isso acontece, segundo ele, pelo próprio treinamento. "O policial é treinado para se achar um salvador, arauto da justiça, um justiceiro. Diante de uma situação complicada, quer resolver tudo sozinho. Perdemos esses dias um coronel exatamente assim. Ele foi reagir a um assalto, achando que fosse resolver a situação, mas outro cúmplice estava na cobertura do bandido e atirou."
Silva nasceu no complexo de favelas do Alemão, um dos mais violentos da cidade. Entrou na PM aos 17 anos. "Existe essa tradição da valentia. O policial é muito afoito, de se indignar, mas ele precisa ser treinado para mediar. O que ocorre é que a polícia, lamentavelmente, é treinada como as Forças Armadas, o Exército, para combater um inimigo. Mas isso não é uma guerra. E, hoje, policiais e bandidos estão travando uma guerra particular no Rio de Janeiro."
Tiro pela culatra
A guerra, segundo o coordenador de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública e Direitos Humanos da UERJ (Universidade do Estado do Rio), é acentuada com a atual política de confrontamento. "Quando se escolhe agir assim, é mais traumático. A ideia é conter a violência, mas isso parte de uma premissa falsa, que não leva em conta que outras pessoas podem morrer, que causa balas perdidas. O propósito é positivo, a intenção é a tranquilidade, mas não é isso que acaba acontecendo."
A isso, se soma a rotina estressante do próprio policial. "Muitos têm problema de alcoolismo, problemas neurológicos. Na polícia, isso se acentua muito. E a tensão não é só quando se está em serviço. É quando está de folga também. É uma tensão permanente, com relação à família. É drástica. E isso é fruto de uma construção antiga, de deixar tudo na mão da polícia. Cria uma guerrinha particular, entre bandido e polícia, como se criminalidade não fosse um problema de toda a sociedade."
Para Julita, "o Rio tem hoje uma polícia extremamente letal e isso não está trazendo paz para a população". "É uma polícia que atua reativamente. Não é invadindo favelas e saindo em seguida, deixando a população sem assistência, que vai se resolver o problema. É inaceitável que a polícia mate bandido. Inocente, menos ainda", completa.
Silva também considera que falta inteligência às ações. "É preciso adotar uma política que entronize a inteligência na polícia, para que ela haja com menos emoção nas ações, evitando mortes."
Ainda conforme a socióloga, o tráfico não justifica uma polícia cada dia mais armada. "No Rio acontecem quatro vezes mais homicídios do que em São Paulo. E dizer que os traficantes têm cada vez mais armas poderosas pode ser visto como mais uma forma de justificar a continuidade dessa truculência."
"Não que o tráfico não esteja bem armado. Indiscutivelmente, eles têm armamento pesado. Mas a polícia tem bem mais. O governo investe", complementa Silva. "Quando derrubaram o helicóptero, disseram que estavam com armas muito letais. Mas, se for seguir essa lógica, daqui a pouco vão querer helicópteros equipados com mísseis. Isso é um discurso de pessoas que querem uma polícia mais repressiva, mais belicista. Mas é uma maluquice", conclui.
Origem: UOL Notícias.
Marcadores: Brasil, Rio de Janeiro, tráfico de drogas, violência, violência urbana
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