segunda-feira, dezembro 29, 2008

"Governança Corporativa"

Empresas desgovernadas

UMA CONVERSA que ficou bem desmoralizada nesta crise foi a da "governança corporativa". A conversa fiada é velha, assim como a da racionalidade do mercado, na qual até o bom economista-padrão não acredita mais faz duas décadas, embora não fale muito sobre o assunto quando discute política e esparge ideologia mercadista.
Um exemplo velho e até ingênuo de fraude sistêmica é o da bolha dos anos 1990, que estourou em 2001 e escancarou a baderna da contabilidade de grandes conglomerados.
Com o auxílio de bancos de investimento, de "analistas", de agências de risco e de auditores (Arthur Andersen), empresas fraudavam o público e contratos. O vexame maior foi o de Enron, WorldCom, Tyco, GlobalCrossing, Lucent, Adelphia, mas até empresas como a Xerox levaram multas de milhões e tiveram de reescrever seus balanços. A fraude inflou a bolha, que inflou a fraude. Não eram "casos isolados". Era "modus operandi". Era contumaz.
Agora vimos grandes instituições financeiras (Wall Street, a City e meia Suíça) e grandes empresas financistas (GE, GM etc.) esconderem em contas paralelas, de modo legal mas picareta, montes de papéis podres, lastreados em créditos ineptos, e/ou os cotarem de modo fantasista. "Falha de mercado"? "Alocação ineficiente de capital"? "Informação assimétrica"? Violação da "moralidade" que deveria fundar os mercados (na frase patética de Alan Greenspan e Robert Shiller)? O nome fica para depois. Mas o rolo não é casual ou localizado. É "sistêmico".
A "governança" chegaria depois ao Brasil. Mesmo com seu alto teor de conversa fiada, a difusão da idéia e até de alguma exigência prática de "governança" foi um avanço nesta selva. Desde 2003, a Bovespa fez o bom trabalho de exigir mínimos de publicidade, de controle das diretorias e de respeito a acionistas. A Bolsa até começou a tomar jeito de mercado de capitais. Houve propaganda marqueteira vulgar, sim, na onda de IPOs e de commodities que inflou o Ibovespa. Mas era alguma coisa.
Porém a crise revelou o quanto (muito) havia de impostura na "governança" brazuka também. O prejuízo cambial, o bafafá e a obscuridade dos casos Aracruz, Votorantim e Sadia, para ficar nos mais evidentes, são o escárnio da transparência.
Mostram ainda a inércia da CVM, que ao ritmo de cágado exige normas mais decentes de prestação de contas. Aliás, para a CVM o mercado brasileiro é mais limpinho que o dos EUA, onde financistas muita vez e outra são algemados -por aqui, isso não rola. Enfim, a bola passou sob as pernas do Banco Central, que não viu bancos armando a porcaria dos derivativos. Não tinham como fiscalizar? Sorry, para quem quer tanta autonomia, a desculpa não cola.
Agora há bancos estatais a auxiliar empresas. Pode ser útil. Ou não. Estatais não prestam contas da qualidade e do custo de seus créditos até que virem rombos, ao menos nos diz a história. Há muito subsídio e chororô por aí. Múltis que nadavam em lucros pedem socorro. Há o risco de empresas do cassino do câmbio taparem rombos com verba subsidiada. Há o estranho caso da Petrobras com a Caixa. Foi recriado o caldo de cultura em que a bactéria da desgovernança privada pode proliferar no dinheiro açucarado do governo.

Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 28 de novembro de 2008.

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