sexta-feira, agosto 22, 2008

Dever da Justiça

O dever da Justiça

BRASÍLIA - Os ex-militares em busca da insólita reparação na Justiça por danos morais, físicos e psicológicos sofridos durante o combate à guerrilha do Araguaia têm a chance de prestar um grande serviço ao país. Podem provar seus pesadelos revelando em detalhes as atrocidades cometidas durante o confronto nos anos 70, inclusive os locais onde estão os corpos de dezenas de militantes de esquerda. Reportagem de Sérgio Torres ontem na Folha informou sobre a intenção de algumas centenas de ex-militares. Eles reclamam uma indenização total de quase R$ 300 milhões. Alegam carregar "seqüelas psicológicas" por causa do envolvimento no extermínio de guerrilheiros na Amazônia, fato ocorrido há mais de três décadas. A Justiça está aí para isso mesmo. Quem se sente lesado tem o direito de reclamar. É esse também o caminho das famílias de militantes torturados, mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985). Mais de 130 corpos nunca apareceram. Conservador, o governo Lula se auto-excluiu do debate. "Este é um assunto do passado, que não tem nada a ver com o futuro", disse o ministro da Justiça, Nelson Jobim. Caberá agora aos juízes responsáveis pelo casos dos ex-militares fazer história. Podem determinar uma condição preliminar: os reclamantes terão de descrever minuciosamente as atrocidades praticadas -as torturas a militantes de esquerda e o trabalho de ocultação dos cadáveres de guerrilheiros. Se um ex-militar se recusar a relatar o ocorrido ou alegar amnésia, não terá como sustentar perante um juiz seus tormentos do presente. Ninguém fica abalado psicologicamente com algo já esquecido. A Justiça foi fundamental no Chile, na Argentina e no Uruguai para ajudar a cicatrizar as feridas das ditaduras locais. Agora, chegou a vez do Judiciário brasileiro.

O texto é de Fernando Rodrigues, na Folha de São Paulo, de 18 de agosto de 2008.

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