quarta-feira, julho 09, 2008

Um resgate estranhíssimo

Há um grande mistério nesse resgate da ex-senadora Íngrid Betancourt e mais 14 reféns das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Não me venham contar, como o estão fazendo, que os 15 reféns entraram em um helicóptero em plena selva e foram entregues ao Exército da Colômbia.

Soa como uma piada. A simples infiltração de nove agentes do Exército, com camisetas com a efígie de Che Guevara, entre os guerrilheiros, não explica o resgate.

Como é que guerrilheiros experientes iriam cair numa fraude dessas sem ser disparado um único tiro?

Para mim, há fatos que robustecem a suspeita de que o resgate foi acertado entre o governo colombiano e os guerrilheiros.

Um dos fatos é que, estrategicamente, os reféns sempre foram, através dos último oito anos, mantidos em cativeiros separados.

Certamente para evitar que uma operação de resgate levasse todos eles.

Como é então que, anteontem, no dia do resgate, foi dada a ordem para que reunissem os 15 reféns em um só local, de onde partiriam para outro lugar da selva, transportados por entidades humanitárias?

Impossível de acreditar nessa versão. Tem gato na tuba. Soou entre os guerrilheiros, exatamente nesse dia, o recolher dos reféns para um único lugar, onde apareceriam dois helicópteros que os levariam para outro lugar na selva, ao abrigo de um acampamento de um dos líderes emergentes da guerrilha. Mas isto não é uma anedota?

A refém ilustre, Íngrid Betancourt, agradeceu ao Exército e ao presidente Uribe a sua libertação.

Só faltou agradecer também aos guerrilheiros: na entrevista que concedeu, Íngrid agradeceu aos céus que os guerrilheiros que a aprisionaram durante seis longos anos "permanecessem vivos" em seus acampamentos.

E disse que quando viu, no chão do helicóptero, um dos carcereiros que cuidavam dela imobilizado e com o rosto colado ao chão, preso pelos homens do exército que tripulavam o aparelho, sentiu "compaixão por ele".

Em dois outros pontos de sua entrevista, revelou certa simpatia pelos guerrilheiros.

Além disso, a diferença entre a Íngrid Betancourt que tinha sido fotografada tempos atrás no cativeiro, esquálida, pálida, doente, apareceu agora totalmente alegre e hígida, falante, com o rosto estampando sorrisos.

Estava muito ajeitadinha, corada, disposta, eloqüente, gordinha para quem saíra de um cativeiro opressivo.

Está na cara que ela foi produzida durante meses para ser apresentada daquele jeito, a transmitir a impressão de que não era tão sofrido assim como se calcula o seu aprisionamento.

Ou seja, ela vinha sendo, ao que parece, alimentada, medicada, com os cabelos cortados, nos preparativos que já duravam quase um ano para sua libertação.

São todos detalhes que flagro para configurar uma farsa, arrisco dizer que esse resgate foi feito com inteira concordância dos guerrilheiros, obtida com demorada negociação.

Se uma guerrilha é capaz de se atirar até o tráfico de cocaína, como se noticia em todo o mundo, iria se recusar a receber alta soma em dinheiro para libertar a ex-senadora, ainda mais que com ela foram libertados também três norte-americanos?

Da forma singela com que foi divulgado o relato desse resgate, simplesmente não é possível acreditar na história.

Observei também que as duas partes envolvidas nesse suposto acerto político e financeiro, principalmente financeiro, guardaram no dia de ontem um estranho e obsequioso silêncio, nem o presidente Uribe se gabou da façanha nem os guerrilheiros se mostraram envergonhados da grande derrota.

Tem capincho nessa moita.

Correu muito dinheiro em torno desse resgate, ainda mais que, debilitada pela perda de vários dirigentes, a guerrilha deve estar passando por dramática situação financeira.

Eu não acreditei em nenhuma frase dessa versão montada.

Texto do Paulo Sant'ana.


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