sexta-feira, julho 04, 2008

FIM DO MONOPÓLIO PARTIDÁRIO DAS CANDIDATURAS E DAS ELEIÇÕES

FIM DO MONOPÓLIO PARTIDÁRIO DAS CANDIDATURAS E DAS ELEIÇÕES

por Apolo Heringer Lisboa


O fim do monopólio partidário teria um efeito salutar na vida política brasileira. Falar em reforma política mantendo o monopólio é não reformar o essencial. Como o fim do monopólio das candidaturas nós teríamos um sistema mais arejado, com a possibilidade de opções reais fora do controle destas máquinas constituídas por profissionais. Porque atualmente o eleitor escolhe entre nomes definidos pelos partidos nas suas respectivas convenções. Na verdade o voto não é livre, é condicionado por uma lista imposta aos eleitores. E as circunstâncias internas dos partidos são insuportáveis para muitos cidadãos que repelem certos compromissos e cumplicidades eleitorais e o silêncio corporativo diante de falcatruas. Um ex-presidente de Tribunal de Contas de um estado brasileiro expressou de forma corajosa suas convicções quando foi acusado de expedientes pouco condizentes numa campanha eleitoral, dizendo: “o único crime eleitoral é perder eleições”. Nada sofreu com esta declaração, muita gente graúda achou até graça, pois a nossa moral política está muito pobre.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, nos garante o “pluralismo político”, diz que “todo poder emana do povo”, que “é plena a liberdade de associação e que ninguém poderá ser compelido associar-se ou a permanecer associado”. Diz que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Ótimo. Mas no artigo 14, § 3º, que trata das condições de elegibilidade, o inciso V exige “filiação partidária”. Interessante que no § 4º está escrito que são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Na lei complementar 64/1990, que trata das inelegibilidades e inalistáveis, praticamente se refere a criminosos. Ou seja, o cidadão que decide não associar-se a partido, por motivos fundados e de consciência, é comparado a criminosos e anafalbetos pois torna-se inelegível.

A Lei Federal nº 9096 /95, chamada lei orgânica dos partidos, diz no artigo 1: “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Estamos convencidos de que é justamente o contrário: somente o fim do monopólio partidário das eleições e da governança pode garantir avanços do regime democrático. É só olhar os escândalos do panorama político brasileiro e a indignação de cidadãos competentes e honestos marginalizados da governança do país, monopólio de indicações partidárias, na lógica eleitoreira. Como pude defender em palestra no seminário Eleições e Ética, promovido pela ONG Mãos Limpas dia 10 de setembro de 2004 em Belo Horizonte, o caminho é mobilizar a sociedade para alterar o artigo 14 da Constituição Federal, § 3, incluindo entre as condições de elegibilidade, além da filiação partidária, a inscrição de qualquer cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos, que atenda às exigências incluídas em lei.

O fim do monopólio partidário das candidaturas e da governança contribuirá par sanear o ambiente político estruturalmente corrompido. Não que será uma varinha mágica, mas introduzirá no processo político eleitoral forças sociais fora do controle político do governo e do Estado, mas forças sociais legitimadas e agindo dentro da lei e do regime democrático. Permitirá também romper com o voto de legenda, instrumento que permitiu Enéas com mais de 1.000.000 de votos em São Paulo, carregar candidatos do Prona com menos de 1000 votos à Câmara Federal. Um deputado me disse que os partidos são importante porque representam um conjunto de pensamentos e compromissos. Pessoalmente, não conheço discussões de idéias nos principais partidos do Brasil, mas o exercício do mais pobre pragmatismo eleitoral. É o jogo de forças do poder, o sonho acabou para eles.

Majoritariamente, a população vota nos candidatos não em partidos. Cada cidadão tem sua história, é um programa vivo, mais merecedor de acatamento que um programa de papel. O movimento social não pode continuar sendo cassado pelas eleições, dando com seu voto um cheque em branco para os eleitos formarem um grupo fechado agindo em nosso nome durante alguns anos. Todos os cargos públicos são exercidos por indicações do esquema eleitoral. Não há valores éticos além desta lógica, a qualidade do trabalho daa pessoas não é levado em conta na composição de um governo. Chego a comparar estes esquemas com o modus operandi de uma máfia. Em Minas Gerais a ONG Mãos Limpas surgiu devido à indignação cívica com o escândalo do mega salários dos deputados estaduais descoberto em 2001. Todos os partidos representados na Assembléia foram pegos em flagrante delito por denúncia publicada num jornal mineiro. Ninguém foi expulso, ninguém devolveu o dinheiro, pediu desculpas à sociedade ou renunciou ao mandato por vergonha. Quase todos se reelegeram. Vários deputados chegaram a receber num só mês mais de 100 mil reais e alguns mais do dobro. E houve ali partidos que recentemente expulsaram militantes por motivos de divergências ideológicas, mostrando que a obediência é o único valor ético exigido para filiação.

No interesse do regime democrático os partidos deveriam ser punidos com suspensão de suas prerrogativas, em diversos níveis e por tempo variado, se seus membros com mandato popular fossem surpreendidos em corrupção ou outro crime grave. Hoje apenas quem exerce mandato corre o risco de ser punido, ou renuncia para não ser cassado e fica assim habilitado para concorrer de novo. Isto mostra que o partido não assume suas responsabilidades pela lista de candidatos que apresenta. Sendo assim porque ter o monopólio?

Texto originalmente visto no Vi o Mundo.


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2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Excelente artigo.
Mas fico a me perguntar se com os atuais congressistas se teria condição de fazer uma reforma política isenta. Essa gente está por demais contaminada e os seus interesses acima do bem comum.

Outro aspecto importante é o fator tempo. Uma reforma dessa envergadura precisa ser bem debatida e os temas esgotados para se evitar espertezas. Do jeito que a coisa anda na política nacional, tudo o cuidado é pouco.
Abs

P.S: respondi seu comentário lá no blog, ok? Depois da LER, estou voltando lentamente...

1:49 PM  
Blogger José Elesbán said...

Ok.

9:45 PM  

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