quarta-feira, junho 13, 2007

Bresser-Pereira: Desindustrialização e Doença Holandesa - Folha de São Paulo, 09/04/2007

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Desindustrialização e doença holandesa

Está na hora de o agronegócio começar a discutir como neutralizar a doença holandesa

HÁ UMA euforia perigosa em torno do agronegócio e, em especial, do etanol. Embora os avanços que o país vem alcançando nessa área sejam notáveis e nos devam orgulhar, isso não deve nos conduzir à perda da capacidade de análise sobre as conseqüências eventualmente desastrosas de políticas nacionais e internacionais favorecendo esse setor.
Quando nos defrontamos com qualquer problema, o princípio do equilíbrio é fundamental. Temo, porém, que o estejamos esquecendo quando colocamos todas as nossas esperanças na produção baseada em recursos naturais e, em conseqüência, adotamos uma política de taxa de câmbio que está desindustrializando o país, quando a posição equilibrada seria a de garantir o crescimento equilibrado dos dois setores.
A economia brasileira vem enfrentando, desde o início dos anos 1990, grave processo de desindustrialização. Tal fenômeno explica, em boa parte, a quase estagnação da economia, já que, nos últimos cinco anos, a expansão das exportações brasileiras de commodities não a compensa. Economistas ligados ao agronegócio negam o fenômeno da desindustrialização e sua causa principal, a apreciação da taxa de câmbio provocada pela doença holandesa, ou maldição dos recursos naturais, com o argumento de que nos últimos cinco anos as exportações de manufaturados continuaram fortes. Mas seus argumentos são modestos.
Primeiro porque a base de comparação não pode ser o ano de 2000, mas 1990-92, quando a economia brasileira perdeu as formas históricas de neutralização da doença holandesa, que lhe haviam permitido, entre 1930 e 1980, alcançar taxas extraordinariamente altas de crescimento econômico. Segundo porque não percebem que a apreciação do câmbio está inviabilizando as atividades industriais com alto valor agregado per capita e reduzindo a indústria brasileira a uma indústria maquiladora que continua a exportar, mas com decrescente conteúdo tecnológico.
Não bastasse o câmbio, a política externa brasileira vem insistindo em avançar com as negociações da Rodada Doha, nas quais o grande objetivo brasileiro é obter a redução dos subsídios com os quais a Europa e os Estados Unidos protegem sua agricultura.
Esse é um objetivo meritório, mas é preciso saber a que custo. Recentemente, na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), depois de uma patética exposição de um economista sobre os grandes objetivos do agronegócio em relação à redução de subsídios na OMC (Organização Mundial do Comércio), a negociadora norte-americana, Susan Schwab, chefe do USTr (equivalente ao Ministério do Comércio Exterior dos Estados Unidos), respondeu com toda a frieza que sim, seu país estava disposto a estudar algumas das reivindicações feitas, mas em troca seria necessário que setores estratégicos da indústria brasileira reduzissem substancialmente as suas modestas tarifas aduaneiras.
Ou seja, o que os Estados Unidos e a Europa querem, em troca de algumas concessões na área da agricultura -concessões que, afinal, não são essenciais para o desenvolvimento do setor-, é que aprofundemos ainda mais uma desindustrialização que está em marcha desde 1990-92.
O problema que o Brasil enfrenta não é o de escolher entre a indústria de transformação e o agronegócio.
As sinergias entre os dois setores são enormes. Além disso, foi-se o tempo em que a agricultura era uma atividade tradicional, com baixo valor agregado per capita, de forma que o desenvolvimento econômico implicava a transferência da mão-de-obra dela para a indústria. Hoje, a agricultura brasileira é empresarial e de alto nível tecnológico e gerencial -é uma prova da capacidade científica e empresarial dos brasileiros. Isso, porém, não justifica que aceitemos uma política de taxa de câmbio que inviabilize um dos parceiros -a indústria de transformação.
Mesmo que transformemos o Brasil em um grande canavial, não conseguiremos apenas com o agronegócio dar emprego digno a todos os brasileiros que estão desempregados ou semi-empregados. Está na hora de seus representantes se juntarem aos da indústria de transformação e começarem a discutir como neutralizar a doença holandesa, que é a grande ameaça que paira sobre a economia brasileira.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

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