Israel ignora a atual proximidade entre judeus e árabes
Benjamin Netanyahu ignora a atual proximidade entre judeus e árabes
Bernhard Zand
Raramente em ocasiões anteriores judeus e árabes estiveram tão unidos frente à ameaça iraniana. Mas o governo de Israel está ignorando deliberadamente esta oportunidade histórica de fazer com que o processo de paz progrida. De fato, o governo de Benjamin Netanyahu parece estar satisfeito com a situação atual
Uma das doutrinas fundamentais perenes relativas ao conflito do Oriente Médio afirmava que os elementos de linha dura no governo israelense são os únicos capazes de obter um acordo de paz – os políticos mais brandos seriam muito fracos para conseguir tal resultado.
Uma segunda doutrina dizia que os líderes árabes necessitam do conflito para justificarem as suas próprias hesitações e os seus regimes não democráticos.
A terceira doutrina postulava: o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Com a farsa que está protagonizando neste momento em cima do seu aliado, os Estados Unidos, o governo israelense retirou simultaneamente de cena as três doutrinas, e isto não é uma boa notícia.
Primeiro, o ministro israelense do Interior, Eli Yishai, fez de bobo Joe Biden, presidente dos Estados Unidos e um amigo comprovado de Israel, que na semana passada garantiu ao Estado judeu que os Estados Unidos têm um “compromisso absoluto, total, direto com a segurança de Israel”. Como resposta, Yishai garantiu a aprovação de 1.600 novos apartamentos em setores de Jerusalém Oriental reivindicados pelos árabes.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desculpou-se pelo momento infeliz em que foi feito o anúncio e alegou que não sabia nada a respeito dos 1.600 apartamentos. Dá para acreditar que o primeiro-ministro não estivesse ciente do maior projeto de construção atual na cidade?
O “incidente” foi “prejudicial”, afirmou Netanyahu, antes de nomear autoridades graduadas para investigar os acontecimentos “a fim de assegurar a adoção de procedimentos para impedir que tais tipos de incidentes ocorram no futuro”. Netanyahu também indicou rapidamente qual foi a punição draconiana que reservou para o seu ministro: nenhuma. “Houve um incidente lamentável, que ocorreu inocentemente”, afirmou ele prematuramente, antes que a comissão tivesse sequer dado início à investigação.
A primeira doutrina acabou desaguando em uma conclusão: nenhum indivíduo que integra o governo israelense está atualmente interessado em conversações de paz – nem os elementos de linha dura nem os mais brandos:
Em janeiro, agentes do Mossad escolheram logo Dubai como cena do crime de assassinato premeditado perpetrado contra o líder do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh. Dubai é um dos dois emirados do Golfo Pérsico que ignoraram o boicote árabe e receberam um ministro israelense.
Em fevereiro, Netanyahu declarou que os sepulcros de Raquel, na cidade de Belém, que é controlada pelos palestinos, e de Abraão, em Hebron (os dois sepulcros são sagrados tanto para cristãos quanto para muçulmanos) são “heranças culturais sionistas”.
E, em março, uma semana antes de o ultra-ortodoxo ministro do Interior Yishai ter aprovado a construção dos 1.600 apartamentos, o ministro trabalhista da Defesa, Ehud Barak, autorizou a construção de 112 novos prédios no assentamento Beitar Ilit, no território ocupado da Cisjordânia, onde supostamente estaria em vigor uma suspensão de dez meses de todas as construções.
A segunda doutrina também não tem mais nenhum valor – na verdade, o contrário é que se aplica. Não são mais os líderes árabes que necessitam de conflito para justificarem os seus regimes. Netanyahu é que precisa de conflito para manter coeso o seu governo heterogêneo formado por esquerda e direita.
Judeus e árabes nunca estiveram tão unidos como agora
De fato, faz muitos anos que os regimes árabes não são tão flexíveis quanto neste momento. Pouco antes da visita de Biden, eles solicitaram unanimemente aos palestinos que dessem início a uma nova rodada de negociações com Israel. Muitos deles cederam quanto à questão e gostariam bastante de ver a paz no Oriente Médio.
E existem bons motivos para isso: não são mais eles que beneficiam-se com esta guerra. Atualmente, os árabes, tanto quanto os israelenses, temem os terroristas da Al Qaeda e a liderança iraniana, com a sua retórica feroz e o seu programa nuclear.
Nunca antes desde a época da criação de Israel judeus e árabes estiveram tão unidos como estão agora frente à ameaça iraniana. A situação chegou ao ponto de o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita ter falado abertamente com a sua colega norte-americana Hillary Clinton sobre a potencial necessidade de um ataque militar contra o Irã. Na sua pesquisa, “Der Spiegel” descobriu que agências de inteligência ocidentais acreditam que os sauditas chegariam até mesmo dispostos a abrir o seu espaço aéreo para que aviões israelenses desfechassem um ataque contra o Irã – ao contrário dos norte-americanos, que não permitiriam que os israelenses voassem sobre o Iraque, por bons motivos.
Por mais alarmante que este cenário possa ser, é preciso um grau notável de obstinação e de autismo político para que alguém ignore este conjunto de fatores e, portanto, despreze a terceira e a mais simples das três doutrinas. Isso conduz a uma única conclusão: o governo israelense está satisfeito com a atual situação no Oriente Médio. No entanto, é difícil acreditar nisto, tendo em vista o número de mortes e os sofrimentos causados por este conflito.
É verdade que no momento o Hamas não está disparando nenhum foguete. E o último ataque suicida em Israel ocorreu quase dois anos atrás. Mas alguém acredita de fato que a situação permanecerá tão calma?
Em protesto contra a construção nos assentamentos, o Hamas já organizou um “Dia da Ira”. Centenas de palestinos protestaram na terça-feira (16/03) em Jerusalém e entraram em conflito com as forças de segurança israelenses. Pneus e latas de lixo foram incendiados. A polícia contra-atacou com granadas de efeito moral e balas de borracha. O acesso ao Monte do Templo, onde a violência irrompeu várias vezes desde a última sexta-feira, também foi restringido. Nem grupos de judeus nem turistas tiveram permissão para visitar o contestado sítio sagrado na terça-feira.
“Me telefonem quando estiverem falando seriamente sobre paz”
A chanceler alemã está correta em descrever o anúncio da construção do assentamento como um “sério empecilho” e em falar de “sinais negativos”. Teria sido ainda melhor se ela tivesse feito isso durante o seu discurso no Knesset em 2008.
Os assentamentos em Jerusalém Oriental não começaram a crescer na semana passada. Eles têm se expandido, conforme se gabava Netanyahu ontem, durante os últimos 42 anos, e eles fazem de bobos todos os que desejam ajudar judeus e árabes a fazerem as pazes.
Há 20 anos, o secretário de Estados norte-americano James Baker estava na mesma posição em que se encontram agora Hillary Clinton e o frustrado negociador dela para o Oriente Médio, George Mitchell. Baker forneceu aos israelenses o número de telefone da Casa Branca e lhes disse: “Me telefonem quando estiverem falando seriamente sobre paz”.
Tradução: UOL
Notícia da Der Spiegel, reproduzida no UOL.
Bernhard Zand
Raramente em ocasiões anteriores judeus e árabes estiveram tão unidos frente à ameaça iraniana. Mas o governo de Israel está ignorando deliberadamente esta oportunidade histórica de fazer com que o processo de paz progrida. De fato, o governo de Benjamin Netanyahu parece estar satisfeito com a situação atual
Uma das doutrinas fundamentais perenes relativas ao conflito do Oriente Médio afirmava que os elementos de linha dura no governo israelense são os únicos capazes de obter um acordo de paz – os políticos mais brandos seriam muito fracos para conseguir tal resultado.
Uma segunda doutrina dizia que os líderes árabes necessitam do conflito para justificarem as suas próprias hesitações e os seus regimes não democráticos.
A terceira doutrina postulava: o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Com a farsa que está protagonizando neste momento em cima do seu aliado, os Estados Unidos, o governo israelense retirou simultaneamente de cena as três doutrinas, e isto não é uma boa notícia.
Primeiro, o ministro israelense do Interior, Eli Yishai, fez de bobo Joe Biden, presidente dos Estados Unidos e um amigo comprovado de Israel, que na semana passada garantiu ao Estado judeu que os Estados Unidos têm um “compromisso absoluto, total, direto com a segurança de Israel”. Como resposta, Yishai garantiu a aprovação de 1.600 novos apartamentos em setores de Jerusalém Oriental reivindicados pelos árabes.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desculpou-se pelo momento infeliz em que foi feito o anúncio e alegou que não sabia nada a respeito dos 1.600 apartamentos. Dá para acreditar que o primeiro-ministro não estivesse ciente do maior projeto de construção atual na cidade?
O “incidente” foi “prejudicial”, afirmou Netanyahu, antes de nomear autoridades graduadas para investigar os acontecimentos “a fim de assegurar a adoção de procedimentos para impedir que tais tipos de incidentes ocorram no futuro”. Netanyahu também indicou rapidamente qual foi a punição draconiana que reservou para o seu ministro: nenhuma. “Houve um incidente lamentável, que ocorreu inocentemente”, afirmou ele prematuramente, antes que a comissão tivesse sequer dado início à investigação.
A primeira doutrina acabou desaguando em uma conclusão: nenhum indivíduo que integra o governo israelense está atualmente interessado em conversações de paz – nem os elementos de linha dura nem os mais brandos:
Em janeiro, agentes do Mossad escolheram logo Dubai como cena do crime de assassinato premeditado perpetrado contra o líder do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh. Dubai é um dos dois emirados do Golfo Pérsico que ignoraram o boicote árabe e receberam um ministro israelense.
Em fevereiro, Netanyahu declarou que os sepulcros de Raquel, na cidade de Belém, que é controlada pelos palestinos, e de Abraão, em Hebron (os dois sepulcros são sagrados tanto para cristãos quanto para muçulmanos) são “heranças culturais sionistas”.
E, em março, uma semana antes de o ultra-ortodoxo ministro do Interior Yishai ter aprovado a construção dos 1.600 apartamentos, o ministro trabalhista da Defesa, Ehud Barak, autorizou a construção de 112 novos prédios no assentamento Beitar Ilit, no território ocupado da Cisjordânia, onde supostamente estaria em vigor uma suspensão de dez meses de todas as construções.
A segunda doutrina também não tem mais nenhum valor – na verdade, o contrário é que se aplica. Não são mais os líderes árabes que necessitam de conflito para justificarem os seus regimes. Netanyahu é que precisa de conflito para manter coeso o seu governo heterogêneo formado por esquerda e direita.
Judeus e árabes nunca estiveram tão unidos como agora
De fato, faz muitos anos que os regimes árabes não são tão flexíveis quanto neste momento. Pouco antes da visita de Biden, eles solicitaram unanimemente aos palestinos que dessem início a uma nova rodada de negociações com Israel. Muitos deles cederam quanto à questão e gostariam bastante de ver a paz no Oriente Médio.
E existem bons motivos para isso: não são mais eles que beneficiam-se com esta guerra. Atualmente, os árabes, tanto quanto os israelenses, temem os terroristas da Al Qaeda e a liderança iraniana, com a sua retórica feroz e o seu programa nuclear.
Nunca antes desde a época da criação de Israel judeus e árabes estiveram tão unidos como estão agora frente à ameaça iraniana. A situação chegou ao ponto de o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita ter falado abertamente com a sua colega norte-americana Hillary Clinton sobre a potencial necessidade de um ataque militar contra o Irã. Na sua pesquisa, “Der Spiegel” descobriu que agências de inteligência ocidentais acreditam que os sauditas chegariam até mesmo dispostos a abrir o seu espaço aéreo para que aviões israelenses desfechassem um ataque contra o Irã – ao contrário dos norte-americanos, que não permitiriam que os israelenses voassem sobre o Iraque, por bons motivos.
Por mais alarmante que este cenário possa ser, é preciso um grau notável de obstinação e de autismo político para que alguém ignore este conjunto de fatores e, portanto, despreze a terceira e a mais simples das três doutrinas. Isso conduz a uma única conclusão: o governo israelense está satisfeito com a atual situação no Oriente Médio. No entanto, é difícil acreditar nisto, tendo em vista o número de mortes e os sofrimentos causados por este conflito.
É verdade que no momento o Hamas não está disparando nenhum foguete. E o último ataque suicida em Israel ocorreu quase dois anos atrás. Mas alguém acredita de fato que a situação permanecerá tão calma?
Em protesto contra a construção nos assentamentos, o Hamas já organizou um “Dia da Ira”. Centenas de palestinos protestaram na terça-feira (16/03) em Jerusalém e entraram em conflito com as forças de segurança israelenses. Pneus e latas de lixo foram incendiados. A polícia contra-atacou com granadas de efeito moral e balas de borracha. O acesso ao Monte do Templo, onde a violência irrompeu várias vezes desde a última sexta-feira, também foi restringido. Nem grupos de judeus nem turistas tiveram permissão para visitar o contestado sítio sagrado na terça-feira.
“Me telefonem quando estiverem falando seriamente sobre paz”
A chanceler alemã está correta em descrever o anúncio da construção do assentamento como um “sério empecilho” e em falar de “sinais negativos”. Teria sido ainda melhor se ela tivesse feito isso durante o seu discurso no Knesset em 2008.
Os assentamentos em Jerusalém Oriental não começaram a crescer na semana passada. Eles têm se expandido, conforme se gabava Netanyahu ontem, durante os últimos 42 anos, e eles fazem de bobos todos os que desejam ajudar judeus e árabes a fazerem as pazes.
Há 20 anos, o secretário de Estados norte-americano James Baker estava na mesma posição em que se encontram agora Hillary Clinton e o frustrado negociador dela para o Oriente Médio, George Mitchell. Baker forneceu aos israelenses o número de telefone da Casa Branca e lhes disse: “Me telefonem quando estiverem falando seriamente sobre paz”.
Tradução: UOL
Notícia da Der Spiegel, reproduzida no UOL.
Marcadores: Irã, Israel, países árabes, Palestina
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