sexta-feira, março 12, 2010

A satanização dos dissidentes cubanos

"A liberdade é, sempre e fundamentalmente, a liberdade de quem discorda de nós." (Rosa Luxemburgo)

Cuba tem carradas de razão ao protestar contra o embargo comercial estadunidense, que asfixia sua economia há décadas.

Mas, com sua insistência em manter um estado policial tipicamente stalinista, praticando violações grosseiras dos direitos humanos de dissidentes e insatisfeitos de todos tipos, afugenta os homens justos que tenderiam a simpatizar com sua causa, dando um ruinoso tiro no pé.

As perdas irreparáveis que sofre na batalha pela conquista dos corações e mentes, ao fornecer de mão beijada trunfos valiosíssimos à propaganda inimiga, nem de longe são justificadas por um perigo real que as vítimas dessas perseguições e arbitrariedades estivessem causando.

Então, não vejo proveito nenhum em ajudar a vender gato por lebre, satanizando um Orlando Zapata para livrar a cara dos desatinados que causaram sua morte e dão má fama à revolução em escala mundial, fazendo-a passar por liberticida.

Lamentavelmente, vilificar a vítima para inocentar o algoz é o que boa parte dos esquerdistas virtuais está fazendo.

Eu me coloco inteiramente ao lado do bravo companheiro Carlos Lungarzo e das entidades que, no cumprimento de sua missão de defender os direitos humanos em todo mundo, posicionam-se consistentemente contra os excessos repressivos de Cuba.

Daí fazer minha a argumentação de Lungarzo no seu digno artigo Os Argumentos Oficiais Contra Zapata, cujos principais trechos reproduzo em seguida:
"...a simples falsidade dos pró-americanos garante a sinceridade dos antiamericanos?

"Esta pergunta veio à tona quando assisti a um vídeo que exibe uma matéria de
Cuba InformaçãoTV, na qual se refuta que a morte de Orlando Zapata Tamayo fosse uma violação dos DH...

"Entre os primeiros 47 segundos e o 1:03 minuto, o locutor adverte sobre as exigências de Zapata, que pretendia ter 'fogão, televisor e telefone em sua cela', que ele qualifica como impensáveis em qualquer prisão do mundo. Curiosamente, o governo cubano nunca tinha denunciado que estas eram as reivindicações de Zapata e só as fez públicas agora. Entretanto, mesmo em países como Brasil, onde o sistema carcerário é truculento, alguns presos (e nem sempre os abastados) possuem algumas facilidades que lhes permitem telefonar e assistir TV, mesmo que não seja através de um aparelho exclusivo em sua cela.

"O segundo argumento contra Zapata é mais grave. Ele seria pintado pela imprensa capitalista como um bom proletário, mas na realidade, seria um 'violento delinqüente comum' processado a partir de 1993 por violação de domicílio, estelionato, e lesões (1:04-1:30). Não se indica a exata índole das lesões, mas apenas que eram graves, pelas quais foi condenado a 3 anos. Essa pena foi estendida para 24 anos por agressão violenta aos guardas prisionais (1:30-1:35). Não falemos de provas, mas o apresentador nem mesmo dá detalhes de como foram estas agressões nem os nomes das vítimas.

"Informa-se depois (1:35-1:50) que Zapata não aparece entre os 75 detidos em março de 2003 por alegados contatos com os Estados Unidos, nem foi apresentado como prisioneiro político no relatório do Departamento de Estado americano desse ano, onde se faz um balanço da situação dos DH em Cuba. Este argumento é usado pela fonte cubana para afirmar que os Estados Unidos não o consideravam um preso político, mas apenas um criminoso comum, que depois teria sido utilizado pelos dissidentes.

"Vale a pena observar que, no relatório sobre DH em Cuba em 2003 (sem julgar sobre a qualidade da informação) o Departamento de Estado apresenta um panorama geral dividido por itens, mas NÃO FAZ UMA LISTA dos 75 presos. É claro que Zapata não está na lista de presos, porque, simplesmente, NÃO HÁ LISTA DE PRESOS. O relatório apenas menciona aqueles mais conhecidos, como Lorenzo Copello Castillo, Barbaro Sevilla Garcia e Jorge Martinez Isaac, os três que foram executados pela tentativa de assaltar uma barca.

"Também é mencionado Manuel Vazquez Portal por ter apresentado uma queixa sobre sua situação prisional. Outros mencionados são: Luis Enrique Ferrer Garcia; Martha Beatriz Roque Cabello; Oscar Elias Biscet; Pedro Pablo Alvarez Ramos; Antonio Diaz; Regis Iglesias Ramirez; Raul Rivero; Marcelo Manuel Lopez Banobre; Manuel Vazquez Portal; Oscar Mario Gonzalez. Destes, alguns eram jornalistas, outros líderes de oposição e alguns outros militantes destacados de oposição.

"Observe que só são mencionados 14 detentos, sobre um total de 75. Pessoas que eram simples aderentes ou simpatizantes provavelmente não foram tidas em conta pelo Departamento de Estado. Estados Unidos nunca se preocupou por vítimas de qualquer natureza, salvo que tivessem relevância para seus projetos. Então, Zapata não foi citado porque era pouco interessante para os Estados Unidos.

"É CURIOSO QUE O GOVERNO CUBANO CONSIDERE UM ELEMENTO CONTRA ZAPATA O FATO DE QUE SEU MAIOR INIMIGO, OS ESTADOS UNIDOS, NÃO O MENCIONE...

"Entretanto, Anistia Internacional, que acredita que os DH são iguais para todos, menciona claramente Zapata ao conceder-lhe o status de prisioneiro de consciência. No seguinte site, você pode conferir a ficha redigida por AI em relação com Orlando Zapata:
Orlando Zapata Tamayo
Data de prisão: 20 de Março 2003
Sentença: Sem julgamento ainda, indiciado por “desacato”, “desordem pública” e “desobediência”.

Orlando Zapata Tamayo é membro do Movimento Alternativa Republicana e membro do Conselho Nacional de Resistência Cívica.


Foi preso várias vezes no passado. Por exemplo, foi temporariamente detido em 03/07/2002 e em 28/10/2002. Em novembro de 2002, depois de fazer parte numa oficina sobre DH no Parque Central de Havana, José Marti, ele e outros 8 opositores foram arrestados e depois libertados. Ele foi também preso em 06/12/2002, junto como Oscar Biscet, mas foi libertado no dia 08/03/2003.
"Segundo o relato da TV cubana, sendo Zapata um criminoso vulgar e um sujeito sem ideologia nenhuma, teria sido facilmente cooptado por Oswaldo Payá Sardinhas e Marta Roque, dois dirigentes de movimentos opositores, que o teriam convencido da importância de sua causa e lhe teriam conseguido uma boa pensão para sua família, paga pela máfia que apóia os cubanos de Miami. (1:56-2:26).

"Antes que Zapata se tornasse conhecido, as informações sobre ele o indicavam como um militante de base da oposição. Assim sendo, o que Roque e Payá poderiam ter feito era apenas estabelecer uma aliança, no sentido de que Zapata trabalhasse para seu movimento. Até aí, tudo pode ser verdadeiro. Também pode ser verdade que sua família recebesse uma pensão da máfia. Como todos sabem, é difícil saber nos Estados Unidos qual é a origem do dinheiro. Por outro lado, é ridículo pensar que uma família miserável que tem um parente preso rejeitaria uma pensão, percebendo que a prisão de Orlando era uma aberração e não um ato de justiça.

"A afirmação mais curiosa aparece entre os instantes 2:27 e 2:58. Aí, o locutor disse que os verdadeiros opositores convenceram a este homem (que, segundo se pode inferir das insinuações do relato, estaria grato pela ajuda dada a sua família) para fazer greve de fome.

"Em seguida, se menciona que REJEITOU TODA ASSISTÊNCIA MÉDICA, e se destaca a solidariedade dos médicos do governo que em nenhum momento o abandonaram.

"A atenção médica recebida deve ter sido real. Entretanto, chama a atenção que um criminoso sem ideais políticos fizesse GREVE DE FOME POR UM DEVER DE CONSCIÊNCIA PARA COM SEUS PROTETORES. Aliás, no site de Payá na Internet, o blogueiro estimula a todos os opositores cubanos a preservar suas vidas, e não fazer greve de fome.

"Então, será que ZAPATA ERA TÃO SIMPLES QUE NÃO SABIA QUE UMA PESSOA PRECISA COMER PARA VIVER???

"Até pode ser verdade que ele tenha resistido a receber assistência médica no começo, mas, quando percebeu que estava morrendo, SERÁ QUE ALGUM IDEAL OU PRINCÍPIO ÉTICO O ANIMOU A CONTINUAR???

"...Segundo a descrição feita pela TV cubana, Zapata seria um lumpen sem valor que se venderia a qualquer um. Então, como uma pessoa assim pode ser convencida a morrer por uma causa? Até onde se conhecem as greves de fome, não há nenhum caso de alguém que não tivesse uma motivação, social, ética ou religiosa muito clara; correta ou errada, mas clara.

"A idéia de ser subornado pelos agentes americanos coloca esta pergunta: subornado a troco de que? O que faria ele com algum dinheiro depois de morto?

"A única hipótese possível, mesmo aceitando a explicação da TV Cubana é que Zapata se deixou morrer por desespero. Fosse apenas um lumpen (existem lumpen em Cuba depois de 50 anos de Revolução???), ou um agente da CIA, ou qualquer outra coisa, é natural que um homem condenado a penas crescentes de prisão (no último momento atingiam os 36 anos), sem a menor possibilidade de defesa nem de julgamento limpo, só pense em morrer.

"Acima de qualquer outra idéia (cuja existência não negamos) em valores éticos ou sociais, seu desespero face uma morte lenta conduz naturalmente ao desejo de uma morte mais rápida. Como disse o senador Cristóvão Buarque, a morte por greve de fome é muito mais cruel que a morte por fuzilamento. Acrescentemos, porém, que é bem mais macia que uma agonia de décadas."





Este texto é originário do blog do Celso Lungaretti, Náufrago da Utopia, via Vi o Mundo.

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