Cuba e seus amigos
Cuba e seus amigos
ALÉM de patéticos, inverdadeiros - estes foram os atributos que Lula e outros de sua comitiva preferiram para os seus comentários sobre a morte, por greve de fome, de um oposicionista ao regime cubano. E pior ainda, consideradas suas intenções, desceram ao grotesco convictos de que prestavam uma colaboração importante aos líderes e ao governo de Cuba.
A situação, é verdade, era difícil para a comitiva, que chegava a Havana na condição de convidada, para uma visita de cordialidades. E foi recebida, também, pela coincidente morte do oposicionista Orlando Zapata - por outra coincidência, não um intelectual ou acadêmico, mas um operário que decidira aderir à militância política na oposição e em nome de mais direitos civis.
A segunda dificuldade, muito maior, não era exclusiva dos visitantes. É generalizada. Trata-se do complicado problema dos direitos civis cubanos, dos quais deriva o tão questionado problema dos direitos humanos. Na mesma conjuntura em que a liberdade de imprensa convencional é inexistente, uma cubana faz grande sucesso no Ocidente com seu blog de oposição fortíssima feito em Havana (no dia da morte de Zapata, o blog transmitiu uma entrevista da mãe do oposicionista, com graves e não respondidas acusações ao governo).
O regime de partido único não admite, e pune com severidade, toda prática de política institucional fora do Partido Comunista. Mas comissões de iniciativa da população, de sentido oposicionista, são inúmeras. Inclusive comissões de direitos humanos, como a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, liderada por Elizardo Sánchez, alcançável sem maior embaraço por telefonema do exterior. E por aí vai, em uma composição de possíveis e proibidos só compreensível, se for, pelos próprios cubanos.
Para maior complicação, dos cerca de 200 presos políticos que indicam haver em Cuba, entidades especializadas qualificam pouco mais de 50 como presos de consciência. Em que sentido os outros são presos políticos, que espécie de crime político praticaram, digamos, sem envolver sua consciência política? Pode-se argumentar que isso não importa, bastando a existência de presos políticos para configurar o regime de repressão aos direitos civis. Ainda assim, a complexidade persiste, tanto mais que o governo cubano é muito parcimonioso, quando não é silencioso de todo, a respeito dos atos dos réus e de comprovações que eliminassem suspeitas de abusos repressivos.
Na própria condição de visitantes, porém, estava a resposta honesta, e diplomaticamente correta, de Lula e de sua comitiva. Algo fácil como "estamos aqui na condição de convidados, e não nos cabem considerações sobre eventos internos, nem temos informações sobre as peculiaridades desse fato". Em vez disso, Lula preferiu uma segunda condenação a Orlando Zapata: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome". Um estúpido, portanto.
E "morrer por uma greve de fome"? Não seria pelo acréscimo de 36 anos de cadeia uma vez cumprida a sua pena de 3 anos? E o porquê desse acréscimo tem muita importância: se não matou ninguém com meios bárbaros, e disso não foi acusado, o que pode ter feito esse preso dentro da cadeia para mais 36 anos de condenação, o restante de sua vida? Disseram que agrediu carcereiros e foi sempre agitador. Uma sentença de 36 anos, para o que o Orlando Zapata tenha feito na cadeia sem haver crime de morte, vale como demonstração da perda de senso e medida do regime cubano para assegurar-se sua sobrevivência.
Adendo de Lula a si mesmo, já em outras circunstâncias: "Eu aprendi que não se deve dar palpite sobre outros países, porque às vezes a gente mete o dedo onde não deve". Mas na véspera, quando ainda em Cuba: "Estou convencido de que o presidente Obama (...) deveria tomar essa decisão", de acabar com o bloqueio a Cuba. "Uma coisa que tenho dito (...) é que ele não tem que fazer nada mais do que fez o povo americano, que teve a ousadia de votar no Obama. É essa ousadia do povo americano que permite que ele seja ousado e resolva o problema do embargo".
E, não por acaso, logo tínhamos a notícia de que "Lula vai conversar sobre direitos humanos no Irã". O que tem coerência com o comunicado do seu governo em plena ONU, assim como a atitude do seu ministro do Exterior na Espanha, de que o Brasil intercedeu junto a Ahmadinejad para que "o governo iraniano dialogue de modo respeitoso com os dissidentes e minorias" sob repressão no Irã.
Como complemento, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, em negação à sua capacidade, bastou-se em dizer, sobre o assunto Zapata, que "em todos os países há desrespeito a direitos humanos". E o que isso justifica ou, vá lá, explica? Há de tudo pelo mundo afora, e por isso tudo está bem, e é aceitável ao menos pelo indignado Marco Aurélio Garcia?
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes. Muito mais colaborariam com menos conformismo e com visões mais abertas e íntegras, para juntar às vistas isoladas e cansadas dos cubanos.
Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 28 de fevereiro de 2010.
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes, que colaborariam com menos conformismo |
ALÉM de patéticos, inverdadeiros - estes foram os atributos que Lula e outros de sua comitiva preferiram para os seus comentários sobre a morte, por greve de fome, de um oposicionista ao regime cubano. E pior ainda, consideradas suas intenções, desceram ao grotesco convictos de que prestavam uma colaboração importante aos líderes e ao governo de Cuba.
A situação, é verdade, era difícil para a comitiva, que chegava a Havana na condição de convidada, para uma visita de cordialidades. E foi recebida, também, pela coincidente morte do oposicionista Orlando Zapata - por outra coincidência, não um intelectual ou acadêmico, mas um operário que decidira aderir à militância política na oposição e em nome de mais direitos civis.
A segunda dificuldade, muito maior, não era exclusiva dos visitantes. É generalizada. Trata-se do complicado problema dos direitos civis cubanos, dos quais deriva o tão questionado problema dos direitos humanos. Na mesma conjuntura em que a liberdade de imprensa convencional é inexistente, uma cubana faz grande sucesso no Ocidente com seu blog de oposição fortíssima feito em Havana (no dia da morte de Zapata, o blog transmitiu uma entrevista da mãe do oposicionista, com graves e não respondidas acusações ao governo).
O regime de partido único não admite, e pune com severidade, toda prática de política institucional fora do Partido Comunista. Mas comissões de iniciativa da população, de sentido oposicionista, são inúmeras. Inclusive comissões de direitos humanos, como a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, liderada por Elizardo Sánchez, alcançável sem maior embaraço por telefonema do exterior. E por aí vai, em uma composição de possíveis e proibidos só compreensível, se for, pelos próprios cubanos.
Para maior complicação, dos cerca de 200 presos políticos que indicam haver em Cuba, entidades especializadas qualificam pouco mais de 50 como presos de consciência. Em que sentido os outros são presos políticos, que espécie de crime político praticaram, digamos, sem envolver sua consciência política? Pode-se argumentar que isso não importa, bastando a existência de presos políticos para configurar o regime de repressão aos direitos civis. Ainda assim, a complexidade persiste, tanto mais que o governo cubano é muito parcimonioso, quando não é silencioso de todo, a respeito dos atos dos réus e de comprovações que eliminassem suspeitas de abusos repressivos.
Na própria condição de visitantes, porém, estava a resposta honesta, e diplomaticamente correta, de Lula e de sua comitiva. Algo fácil como "estamos aqui na condição de convidados, e não nos cabem considerações sobre eventos internos, nem temos informações sobre as peculiaridades desse fato". Em vez disso, Lula preferiu uma segunda condenação a Orlando Zapata: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome". Um estúpido, portanto.
E "morrer por uma greve de fome"? Não seria pelo acréscimo de 36 anos de cadeia uma vez cumprida a sua pena de 3 anos? E o porquê desse acréscimo tem muita importância: se não matou ninguém com meios bárbaros, e disso não foi acusado, o que pode ter feito esse preso dentro da cadeia para mais 36 anos de condenação, o restante de sua vida? Disseram que agrediu carcereiros e foi sempre agitador. Uma sentença de 36 anos, para o que o Orlando Zapata tenha feito na cadeia sem haver crime de morte, vale como demonstração da perda de senso e medida do regime cubano para assegurar-se sua sobrevivência.
Adendo de Lula a si mesmo, já em outras circunstâncias: "Eu aprendi que não se deve dar palpite sobre outros países, porque às vezes a gente mete o dedo onde não deve". Mas na véspera, quando ainda em Cuba: "Estou convencido de que o presidente Obama (...) deveria tomar essa decisão", de acabar com o bloqueio a Cuba. "Uma coisa que tenho dito (...) é que ele não tem que fazer nada mais do que fez o povo americano, que teve a ousadia de votar no Obama. É essa ousadia do povo americano que permite que ele seja ousado e resolva o problema do embargo".
E, não por acaso, logo tínhamos a notícia de que "Lula vai conversar sobre direitos humanos no Irã". O que tem coerência com o comunicado do seu governo em plena ONU, assim como a atitude do seu ministro do Exterior na Espanha, de que o Brasil intercedeu junto a Ahmadinejad para que "o governo iraniano dialogue de modo respeitoso com os dissidentes e minorias" sob repressão no Irã.
Como complemento, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, em negação à sua capacidade, bastou-se em dizer, sobre o assunto Zapata, que "em todos os países há desrespeito a direitos humanos". E o que isso justifica ou, vá lá, explica? Há de tudo pelo mundo afora, e por isso tudo está bem, e é aceitável ao menos pelo indignado Marco Aurélio Garcia?
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes. Muito mais colaborariam com menos conformismo e com visões mais abertas e íntegras, para juntar às vistas isoladas e cansadas dos cubanos.
Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 28 de fevereiro de 2010.
Marcadores: Cuba, violação de direitos humanos
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