Suspeita nuclear
Suspeita nuclear
A SUSPEITA DE que a França passaria em segredo a tecnologia nuclear para um submarino brasileiro, tal como fez para Israel produzir bombas nucleares, emerge como a possibilidade de explicação racional para as estranhíssimas circunstâncias e o custo gigantesco da transação com submarinos que o Brasil negocia na França.
A transferência de tecnologia nuclear fere acordos internacionais, inclusive compromissos com a ONU, tanto por parte de quem proporcione como de quem receba as informações tecno-científicas.
Nem por isso o então presidente De Gaulle deixou de surpreender-se ao descobrir que seu país instruíra os israelenses. Assim como o também presidente Kennedy, com informações de seus serviços secretos, foi ludibriado quando quis ver a central nuclear de Israel: montaram às pressas para mostrar-lhe, confiantes em seu desconhecimento específico, as aparências de uma central para uso civil -e, desde ali, Kennedy e seu governo passaram a defender Israel das acusações de nuclearização transgressora. Estes fatos estão documentados, embora também mantidos em quase segredo pela historiografia e pelo jornalismo.
O Paquistão e a Índia são dois outros exemplos de nuclearização transgressora, o primeiro por intermédio dos Estados Unidos; a outra, da União Soviética depois Rússia.
O acordo básico assinado pelos presidentes Lula e Sarkozy é explícito na afirmação de que os fornecimentos pelos franceses não envolverão transferência de conhecimentos nucleares. Mas há muito está comprovada a insuficiência de tal garantia.
O alarme inicial com o acordo não decorreu, porém, de suspeita nessa linha. Começou com a data de sua assinatura: 23 de dezembro de 2008. Claro que com o mínimo de repercussão e curiosidade, a data foi vista como propósito de manter despercebido um acordo de fins militares neste país que proclama o pacifismo absoluto. Com a nova suspeita, a data passa a ser vista como mais condicionada pela distração natalina exterior.
O acordo, cuja assinatura final está planejada para 7 de setembro, incluirá quatro submarinos da classe Scorpène, ao preço de 1 bilhão de euros cada um. Ou uns R$ 2,7 bilhões cada um no câmbio atual, mas, por certo, bem mais quando o câmbio for reposto em níveis racionais e não especulativos. São submarinos pequenos e simples, de 1,5 tonelada, desprezados para compra em toda a Europa e não usados nem pela própria França.
Essas características conduzem a um aspecto importante da transação. O Scorpène foi descartado pelo alto comando da Marinha, nos estudos concluídos há dois anos, para ampliação da frota brasileira de submersíveis. A escolha recaiu na conveniência, por técnica militar e de engenharia, de acrescentar submarinos da mesma linhagem dos quatro já existentes, construídos no Brasil, consideradas apenas as modificações por inovação. A escolha previu, como conviria ao Brasil, menos da metade do custo, por unidade, previsto no acordo com a França.
O pacote inclui ainda um casco de submarino nuclear -só o casco, com nuclearização a ser criada pelo Brasil daqui a 10 a 20 anos- e a exigência de construção de uma base naval com novo estaleiro (o Arsenal de Marinha já tem) a serem construídos, obrigatoriamente, pela empreiteira Odebrecht e sem licitação. Um pacote de quase 7 bilhões de euros que, no câmbio atual, vão a cerca de R$ 20 bilhões, mas na recuperação do euro irão até não se sabe onde.
A Comissão de Defesa Nacional prevê para hoje a audiência antes marcada para dia 19. A figura central, ministro Nelson Jobim, recusa a ida "por compromissos". Embora a audiência e sua presença estivessem agendadas há um mês e, no dia 26, ele tenha marcada outra audiência na Câmara, mas a porta fechada e sobre as bases da Colômbia para os Estados Unidos, sem questões sobre submarinos. Nem o comandante da Marinha, designado para substituir Jobim hoje, comparecerá. Dispôs-se a falar sobre o submarino nuclear, mas não sobre os quatro convencionais e o restante do pacote francês. A explicação é que não se trata de assunto militar, mas político. O comandante da Marinha integrou o alto comandou que elegeu, para a Armada, submarinos diferentes dos negociados por Nelson Jobim e Lula.
A exigência de base e estaleiros novos, feitos sem licitação por empreiteira de tradições conhecidas, e o preço multiplicado das unidades navais alimentam a suspeita com a possibilidade de divisão, entre os diferentes equipamentos e serviços, de sobrepreço que remunerasse um fornecimento não declarado. E não declarável.
Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 18 de agosto de 2009.
Vale muito por esta memorialística histórica...
Marcadores: Brasil, França, história, proliferação nuclear
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