quarta-feira, setembro 02, 2009

Quiproquó

Quiproquó

JOSÉ SARNEY ficou. E o recado é: político agora só tem de prestar conta do que faz em época de eleição. Não é mais apenas um deputado do baixo clero que "se lixa" para a opinião pública, mas todo o sistema. Incluindo o Executivo, que banca Sarney, e o Judiciário, responsável pela censura imposta ao jornal "O Estado de S. Paulo".
O eleitorado que espere a sua vez. Enquanto isso, pode se contentar com as duas explicações subentendidas que vêm com essa atitude. Primeiro, era necessário parar com a guerra de denúncias, porque, do contrário, iria acabar em punições e muito pouca gente escaparia da degola. Além disso, não há mesmo quadros muito melhores do que os atuais. Em suma, por falta de opção, a grande maioria vai acabar se reelegendo em 2010.
Quem viver verá. Mas o fato é que, nessa batida, a política passou a girar quase que exclusivamente sobre seu próprio eixo. É um registro descolado da vida social, um registro infernal, em que tudo o que se diz e tudo o que se faz serve apenas para outra coisa que não o que se diz e o que se faz. É um mundo de quiproquó.
O próximo círculo do quiproquó é a CPI da Petrobras. A oposição decidiu pôr o foco na estatal porque recebeu informações de conselheiros do Tribunal de Contas da União (onde tem ampla maioria) de que encontrar irregularidades ali seria jogo jogado. Quer também evitar que se repita em 2010 a tática de Lula na eleição de 2006, quando Geraldo Alckmin foi acuado por supostamente querer privatizar a companhia.
E, por fim, pretende provar que o PT colocou a estatal a seu serviço, o que mostraria que o partido não respeita o patrimônio público e é ineficiente ao governar.
O PMDB, como sempre, é de uma simplicidade brutal: instalou a CPI para obrigar o PT a ficar com Sarney. E, mantendo a coerência e as vistas largas que o caracterizam, está sempre à cata de novo material para chantagear o governo. Já o governo fez coincidir a instalação da CPI com o anúncio da decisão -tomada muito tempo antes- de criar uma estatal específica para as jazidas da camada pré-sal.
E deu início a um debate nacional e internacional sobre a exploração das jazidas que consegue ser ainda mais complexo e crucial do que todas as finadas reformas tributárias. A ideia é engolir a CPI, arrastando a discussão mais ampla enquanto ela durar.
O debate mesmo não tem muita importância. Afinal, não se pode nem dizer que estejam jogando para a plateia. O que decidiram oferecer à plateia foi uma algaravia que só faz sentido para quem está de fato se lixando para a plateia.

Texto de Marcos Nobre, na Folha de São Paulo, de 18 de agosto de 2009.

Sagaz este Marcos Nobre.


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