Vilarejo oferece modelo para causa palestina
Vilarejo oferece modelo para causa palestina
Ethan Bronner
Em Bilin (Cisjordânia)
Toda sexta-feira durante os últimos quatro anos e meio, várias centenas de manifestantes - cidadãos palestinos, voluntários estrangeiros e ativistas israelenses - caminham juntos para a barreira israelense que separa o minúsculo vilarejo de Bilin do grande assentamento de Modiin Illit, parte do qual está construído nas terras do vilarejo. A 30 metros dali, soldados israelenses observam e esperam.
Os manifestantes entoam gritos de protesto e, inevitavelmente, jogam algumas pedras. Depois, também inevitavelmente, os soldados respondem com gás lacrimogêneo e jatos de água, incluindo, ultimamente, um líquido pútrido a base de óleo que deixa toda a área malcheirosa.
Esta é uma das operações de protesto mais duradoura e bem organizada da história do conflito palestino-israelense, e transformou este vilarejo agrícola outrora anônimo num símbolo da desobediência civil palestina, em um modelo que muitos que apóiam a causa palestina gostariam de ver se espalhar e prosperar.
Por esse motivo, um grupo de experientes estadistas de esquerda, incluindo o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter - que provocou controvérsia ao sugerir que a ocupação israelense da Cisjordânia equivalia ao apartheid - veio para Bilin nesta quinta-feira e disse aos organizadores locais o quanto admira seu trabalho e porque é essencial mantê-lo.
O bispo anglicano aposentado Desmond Tutu, que também fez parte da visita, disse: "Assim como um homem simples chamado Gandhi liderou com sucesso a luta não violenta pelos direitos civis na Índia, as pessoas simples aqui em Bilin estão liderando uma luta não violenta que resultará em sua liberdade."
Tutu, vencedor sul-africano do prêmio Nobel da Paz, falou de pé sobre o solo rochoso, circundado por cilindros descartados de gás lacrimogêneo e em frente ao arame farpado da barreira que Israel começou a construir em 2002 na Cisjordânia, durante um violento levante palestino. Israel disse que seu principal propósito era impedir os homens-bomba de cruzarem a fronteira para Israel, mas a rota da barreira - uma mistura de cercas, torres de guarda e muros de concreto - entrou no território da Cisjordânia, e a revolta palestina com a barreira diz respeito tanto à terra quanto à liberdade perdida.
Bilin perdeu metade de suas terras para o assentamento de Modiin Illit e para a barreira, e levou suas queixas ao tribunal mais alto de Israel. Há dois anos, o tribunal concedeu uma vitória incomum. Ele ordenou que o assentamento interrompesse a construção de um novo bairro e que os militares israelenses mudassem a rota da barreira de volta para o território israelense, devolvendo assim cerca de metade das terras perdidas para o vilarejo.
"Os moradores dançaram nas ruas", lembra-se Emily Schaeffer, advogada israelense que trabalhou no caso para o vilarejo. "Infelizmente, já faz dois anos desde a decisão e o muro ainda não foi mudado."
O vilarejo voltou ao tribunal para tentar, até agora em vão, conseguir que as ordens sejam cumpridas.
Schaeffer explicou o caso para os visitantes, que são conhecidos como "Os Anciãos". O grupo foi fundado há dois anos pelo ex-presidente Nelson Mandela da África do Sul e é sustentado por doadores, incluindo Richard Branson, presidente da Virgin Group, e Jeff Skoll, presidente-fundador do eBay. Seu objetivo é "apoiar a construção da paz, ajudar a lidar com os grandes problemas do sofrimento humano e promover os interesses comuns da humanidade".
Tanto Branson quanto Skoll estavam presentes na visita a Bilin, assim como Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, Gro Harlem Brundtland, ex-primeiro ministro da Noruega; Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil; e Ela Bhatt, indiana defensora dos direitos dos pobres e das mulheres. A visita do grupo a Israel e aos territórios palestinos também incluiu encontros com jovens israelenses e palestinos.
Cardoso disse que ouve falar do conflito há muito tempo, mas que presenciá-lo foi algo que deixou uma impressão duradoura. A barreira, disse ele, serve para aprisionar os palestinos.
Como em todos os aspectos do conflito, não há acordo quanto à natureza do que acontece toda sexta-feira. Os palestinos celebram o protesto como algo não violento, e ele foi citado recentemente pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas, como um passo fundamental em direção à luta pelo Estado palestino. Recentemente, um de seus líderes, Mohammed Khatib, estabeleceu um comitê com uma dúzia de vilarejos para compartilhar suas estratégias.
Mas os israelenses reclamam que, junto com os protestos no vilarejo de Bilin, as coisas são mais violentas do que os palestinos e seus apoiadores reconhecem.
"Os manifestantes atiram pedras, coquetéis Molotov e pneus em chamas nas forças de defesa e na cerca de segurança", disseram os militares, ao serem perguntados por que começaram a prender líderes do vilarejo no meio da noite. "Desde o começo de 2008, cerca de 170 membros das forças de defesa foram feridos nesses vilarejos", acrescentou, incluindo três soldados que ficaram tão gravemente feridos que não puderam mais servir o Exército. Ele também disse que no próprio vilarejo de Bilin, cerca de US$ 60 mil (R$ 112.800) de prejuízo foram ocasionados à barreira no último ano e meio.
Abdullah Abu Rahma, professor do vilarejo e um dos organizadores dos protestos semanais, disse que ficou surpreso com as afirmações dos militares assim como com as contínuas prisões de líderes do vilarejo.
"Eles querem destruir nosso movimento porque ele não é violento", disse. Ele acrescentou que alguns moradores podem ter tentado, por causa da frustração, romper a cerca, uma vez que o tribunal havia ordenado que ela se movesse e nada aconteceu. Mas isso não é a essência do movimento popular que ele ajudou a liderar.
"Precisamos de nossas terras", disse aos visitantes. "É como ganhamos dinheiro para sobreviver. Nossa mensagem para o mundo é que esse muro está destruindo nossas vidas, e a ocupação quer acabar com a nossa luta."
Tradução: Eloise De Vylder
Texto do The New York Times, no UOL.
Em Bilin (Cisjordânia)
Toda sexta-feira durante os últimos quatro anos e meio, várias centenas de manifestantes - cidadãos palestinos, voluntários estrangeiros e ativistas israelenses - caminham juntos para a barreira israelense que separa o minúsculo vilarejo de Bilin do grande assentamento de Modiin Illit, parte do qual está construído nas terras do vilarejo. A 30 metros dali, soldados israelenses observam e esperam.
Os manifestantes entoam gritos de protesto e, inevitavelmente, jogam algumas pedras. Depois, também inevitavelmente, os soldados respondem com gás lacrimogêneo e jatos de água, incluindo, ultimamente, um líquido pútrido a base de óleo que deixa toda a área malcheirosa.
Esta é uma das operações de protesto mais duradoura e bem organizada da história do conflito palestino-israelense, e transformou este vilarejo agrícola outrora anônimo num símbolo da desobediência civil palestina, em um modelo que muitos que apóiam a causa palestina gostariam de ver se espalhar e prosperar.
Por esse motivo, um grupo de experientes estadistas de esquerda, incluindo o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter - que provocou controvérsia ao sugerir que a ocupação israelense da Cisjordânia equivalia ao apartheid - veio para Bilin nesta quinta-feira e disse aos organizadores locais o quanto admira seu trabalho e porque é essencial mantê-lo.
O bispo anglicano aposentado Desmond Tutu, que também fez parte da visita, disse: "Assim como um homem simples chamado Gandhi liderou com sucesso a luta não violenta pelos direitos civis na Índia, as pessoas simples aqui em Bilin estão liderando uma luta não violenta que resultará em sua liberdade."
Tutu, vencedor sul-africano do prêmio Nobel da Paz, falou de pé sobre o solo rochoso, circundado por cilindros descartados de gás lacrimogêneo e em frente ao arame farpado da barreira que Israel começou a construir em 2002 na Cisjordânia, durante um violento levante palestino. Israel disse que seu principal propósito era impedir os homens-bomba de cruzarem a fronteira para Israel, mas a rota da barreira - uma mistura de cercas, torres de guarda e muros de concreto - entrou no território da Cisjordânia, e a revolta palestina com a barreira diz respeito tanto à terra quanto à liberdade perdida.
Bilin perdeu metade de suas terras para o assentamento de Modiin Illit e para a barreira, e levou suas queixas ao tribunal mais alto de Israel. Há dois anos, o tribunal concedeu uma vitória incomum. Ele ordenou que o assentamento interrompesse a construção de um novo bairro e que os militares israelenses mudassem a rota da barreira de volta para o território israelense, devolvendo assim cerca de metade das terras perdidas para o vilarejo.
"Os moradores dançaram nas ruas", lembra-se Emily Schaeffer, advogada israelense que trabalhou no caso para o vilarejo. "Infelizmente, já faz dois anos desde a decisão e o muro ainda não foi mudado."
O vilarejo voltou ao tribunal para tentar, até agora em vão, conseguir que as ordens sejam cumpridas.
Schaeffer explicou o caso para os visitantes, que são conhecidos como "Os Anciãos". O grupo foi fundado há dois anos pelo ex-presidente Nelson Mandela da África do Sul e é sustentado por doadores, incluindo Richard Branson, presidente da Virgin Group, e Jeff Skoll, presidente-fundador do eBay. Seu objetivo é "apoiar a construção da paz, ajudar a lidar com os grandes problemas do sofrimento humano e promover os interesses comuns da humanidade".
Tanto Branson quanto Skoll estavam presentes na visita a Bilin, assim como Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, Gro Harlem Brundtland, ex-primeiro ministro da Noruega; Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil; e Ela Bhatt, indiana defensora dos direitos dos pobres e das mulheres. A visita do grupo a Israel e aos territórios palestinos também incluiu encontros com jovens israelenses e palestinos.
Cardoso disse que ouve falar do conflito há muito tempo, mas que presenciá-lo foi algo que deixou uma impressão duradoura. A barreira, disse ele, serve para aprisionar os palestinos.
Como em todos os aspectos do conflito, não há acordo quanto à natureza do que acontece toda sexta-feira. Os palestinos celebram o protesto como algo não violento, e ele foi citado recentemente pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas, como um passo fundamental em direção à luta pelo Estado palestino. Recentemente, um de seus líderes, Mohammed Khatib, estabeleceu um comitê com uma dúzia de vilarejos para compartilhar suas estratégias.
Mas os israelenses reclamam que, junto com os protestos no vilarejo de Bilin, as coisas são mais violentas do que os palestinos e seus apoiadores reconhecem.
"Os manifestantes atiram pedras, coquetéis Molotov e pneus em chamas nas forças de defesa e na cerca de segurança", disseram os militares, ao serem perguntados por que começaram a prender líderes do vilarejo no meio da noite. "Desde o começo de 2008, cerca de 170 membros das forças de defesa foram feridos nesses vilarejos", acrescentou, incluindo três soldados que ficaram tão gravemente feridos que não puderam mais servir o Exército. Ele também disse que no próprio vilarejo de Bilin, cerca de US$ 60 mil (R$ 112.800) de prejuízo foram ocasionados à barreira no último ano e meio.
Abdullah Abu Rahma, professor do vilarejo e um dos organizadores dos protestos semanais, disse que ficou surpreso com as afirmações dos militares assim como com as contínuas prisões de líderes do vilarejo.
"Eles querem destruir nosso movimento porque ele não é violento", disse. Ele acrescentou que alguns moradores podem ter tentado, por causa da frustração, romper a cerca, uma vez que o tribunal havia ordenado que ela se movesse e nada aconteceu. Mas isso não é a essência do movimento popular que ele ajudou a liderar.
"Precisamos de nossas terras", disse aos visitantes. "É como ganhamos dinheiro para sobreviver. Nossa mensagem para o mundo é que esse muro está destruindo nossas vidas, e a ocupação quer acabar com a nossa luta."
Tradução: Eloise De Vylder
Texto do The New York Times, no UOL.
Marcadores: Cisjordânia, Israel, israelenses x palestinos, Palestina
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