domingo, setembro 13, 2009

Na Índia rural, um adeus hesitante à pobreza (ou uma conflituosa chegada do capitalismo)

Na Índia rural, um adeus hesitante à pobreza

KUILAPALAYAM, Índia — Outro dia, saí para passear com minha motocicleta e percebi que meu mundo havia mudado completamente. Dirigi por uma estrada de concreto que antes era uma trilha de terra. A estrada leva até o mar. Eu costumava enxergar o oceano do alto da estrada. Hoje, a visão foi suplantada por prédios de apartamentos, pousadas e lojas.
Quando eu era menino, a estrada era bordejada por campos de arroz verde-esmeralda. Hoje, não há mais um só arrozal, apenas o verde gritante —e rosas, vermelhos e laranjas— dos blocos de concreto que ocuparam seu lugar.
A região ao redor de onde moro já foi um povoado rural isolado. Ficava a cerca de 170 quilômetros, por uma estrada esburacada, da grande cidade mais próxima, Chennai, ou Madras como era chamada então. Cresci no campo, rodeado por cinco aldeias. Tive uma infância idílica, minha vida corria ao ritmo do mundo agrícola: carros de bois e arados manuais, bicicletas, moinhos de vento.
Mas, para os homens e mulheres que viviam nas aldeias, que ganhavam a vida com a terra erodida, era muito mais difícil. Suas existências eram limitadas pela pobreza.
As coisas começaram a mudar na década de 1990. Em 1991, o governo indiano, enfrentando uma crise econômica, liberalizou a economia. A moeda foi desvalorizada, as barreiras alfandegárias caíram, e o Estado afrouxou seu controle. Um país que havia sido conduzido pelo lema da autodependência —o governo costumava nos exortar: “Seja indiano, compre indiano”— uniu-se ao mundo.
De maneira gradual, quase imperceptível, as reformas iniciadas em Nova Déli escorreram para o sul da Índia rural. Os agricultores venderam seus carros de bois e começaram a ir para os campos em tratores vermelhos brilhantes. Eu vi as televisões a cores, e depois as antenas parabólicas, chegarem às casas das aldeias.
No final dos anos 1990, a estrada para Chennai foi transformada em rodovia. Turistas começaram a chegar até o litoral. O desenvolvimento foi, de modo geral, benigno para esta área. Criou nova riqueza, mais empregos, oportunidades.
No entanto, o desenvolvimento também perturbou os modos de vida existentes. Esgarçou o tecido social e cultural das aldeias.
Kuilapalayam, um vilarejo no início da estrada que leva à praia, teve pelo menos sete assassinatos nos últimos anos. Bandos de jovens percorrem a aldeia extorquindo dinheiro e efetuando vinganças. Antigamente, a panchayat, assembleia tradicional formada pelos anciãos da aldeia, teria controlado a violência. Mas a nova geração tem ideias modernas; eles não escutam os mais velhos, e os membros da panchayat estão impotentes, assustados demais para interferir.
Os moradores que não possuíam terra, que viram seus amigos enriquecerem, em geral não são tão otimistas sobre as mudanças. E parentes há muito esquecidos apareceram, talvez voltando das cidades, para reivindicar a propriedade da terra. Os jornais locais estão cheios de histórias violentas sobre disputas de propriedades.
O desenvolvimento é um fenômeno complexo. Antes de popularizar a expressão “destruição criativa”, o economista Joseph Schumpeter, da escola austríaca, burilou suas ideias sobre inovação e mudança descontínua em Teoria do Desenvolvimento Econômico. Mudança descontínua, destruição criativa, é o que estou vivendo todos os dias. Nas grandes cidades, o desenvolvimento econômico da Índia pode parecer muito simples. Os negócios prosperam, as classes médias e altas comemoram, e o país avança inexoravelmente.
Mas, no campo, um modo de vida está desaparecendo, e ninguém sabe o que ocupará seu lugar. As pessoas às vezes me perguntam como me sinto em relação ao desenvolvimento econômico da Índia. Eu lhes digo a verdade. Não sei. Digo que me sinto ambivalente sobre o fim de um mundo que conheci quando criança, uma transição que sei que é inevitável e provavelmente até desejável. Mas ainda não me reconciliei com ela.

Texto de Akash Kapur, no The New York Times, republicado na Folha de São Paulo, de 24 de agosto de 2009.


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