Procura-se iniciativa privada
Procura-se iniciativa privada
DAS CEM MAIORES empresas do Brasil, dois terços são de capital nacional ou misto (segundo o ranking por receita líquida, elaborado pela publicação "Valor 1000", edição 2009). Dessas, metade são estatais ou contam com o governo como acionista relevante (via BNDES). Ou, pelo menos, abrem as portas para a intervenção governamental devido à participação acionária de fundos de pensão de empregados de estatais (do Banco do Brasil ou da Caixa, em geral).
Em algumas, a influência do governo é relevante não devido à participação no capital, ou não apenas devido a isso, mas também porque braços do Estado financiam as empresas com altas somas, como em teles. Ou, para falar francamente, as salvam da bancarrota, caso recente dos frigoríficos ou, mais antigo, de empresas de energia elétrica, ou logística, privatizadas nos anos FHC.
Poucas empresas das "top 100" foram "iniciativas privadas", como Gerdau, Pão de Açúcar, Cosan ou Natura, e assim continuaram a tocar a vida, basicamente sem depender de que o Estado entrasse em seu negócio. Muitas nasceram e foram por muito tempo "iniciativas privadas", mas fizeram um casamento arranjado, mas voluntário, com o Estado assim que precisaram crescer ou quando tomaram tombos, caso de quase todos os grandes frigoríficos.
O braço de participações acionárias do BNDES, a BNDESPar, poderia quase se chamar BNDESCarnes.
Notícias do final de semana suscitaram muxoxos e comentários direta ou indiretamente críticos a respeito do peso estatal, não apenas no capital das empresas. Dadas as rápidas pinceladas estatísticas acima, faz sentido a queixa? Por que há tão poucos negócios privados surgidos do chão, do nada? Por que há tão pouco investimento na criação de novos setores (a maioria das grandes empresas nacionais é do setor de recursos naturais e a grande maioria foi criada pelo Estado)? Por que o agronegócio, embora muito bem-sucedido, tenha tanto dependido da pesquisa estatal para florescer?
No final de semana, ouviu-se que a petroquímica Braskem (Odebrecht mais Petrobras e um tanto dos fundos de pensão) pode comprar a Quattor (onde a Petrobras tem 40%) a fim de evitar que a Petrobras volte a engolir o setor. Tudo bem.
Mas por que o capital privado já depende tanto da estatal petroleira? Ouviram-se ainda rangidos de dente por causa do calor que Lula tem dado na Vale, liderada pelo Bradesco, que é, porém, sócio menor da Previ (fundo de pensão do BB).
Por fim, amigos do mercado de capitais comemoram a "pujança" do setor privado devido ao fato de que faz ano e pouco a dívida privada é maior que a dívida pública. Tudo bem, mas "menos". Em parte, tal virada se deve ao fato de que a dívida pública cresceu bem menos.
De fato, começa a haver um mercado de capitais doméstico. O papel da empresa privada jamais foi tão grande no Brasil pós-Vargas. Mas, no país do agronegócio, onde estão as grandes empresas de biotecnologia? No país dos minérios, onde estão as grandes empresas de engenharia de materiais? No país do pré-sal, onde estão as empresas inovadoras na química? Talvez a esperar um subsídio (direto, indireto, "informal" ou "estratégico") do Estado.
Texto de Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo, de 25 de agosto de 2009.
Marcadores: Brasil, economia, estatização, iniciativa privada
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