Ainda sobre a Grande Ausente
Ainda sobre a Grande Ausente
No final do primeiro semestre de 2008, eu havia recém concluído estudos na disciplina de História do Brasil IV, o que equivale à história do Brasil desde o final da ditadura do Estado Novo (1945/1946) até os estertores da ditadura militar (início da década de 1980)1.
Naquela época publiquei um texto que serviu como reflexão sobre um seminário desenvolvido pelos alunos sobre as memórias da ditadura militar. Aquele texto foi chamado de “A Grande Ausente”, pela aparente pouca importância dada à ditadura nos testemunhos expostos em aula durante aquele seminário. Naquele texto eu pude afirmar que “A regra entre os alunos era que o pai, ou a mãe, ou o avô, se sentiam indiferentes ao regime. Cada um estava preocupado com a sobrevivência de cada dia”. Quando se vivia sob a ditadura, viver sob a ditadura era o grande assunto a não ser tocado.
A mesma sensação de aparente normalidade me veio à mente no início de estágio desenvolvido junto ao Núcleo de Pesquisa em História, o NPH, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. As horas do estágio foram dedicadas à organização do acervo do engenheiro Edmundo Gardolinski. Edmundo Gardolinski (1914-1974) foi engenheiro e arquiteto, funcionário público de grandes responsabilidades no Rio Grande do Sul, além de pesquisador diletante da colonização polonesa no RS (ele era descendente de poloneses estabelecidos no Paraná), colecionador de orquídeas e fotógrafo amador. Em decorrência deste hobby ligado à fotografia, boa parte do acervo cedido à UFRGS é composto de imagens que o engenheiro fez ao longo de sua vida.
No primeiro contato com objetos do acervo Gardolinski nos foi fornecido, a mim e aos demais colegas que realizavam estágio no NPH, um texto que era a apresentação da monografia escrita por Edmundo Gardolinski sobre as escolas da colonização polonesa no RS2, que havia sido publicada em forma de livro, na década de 1970. Este referido texto apresentava a monografia, no contexto da época, com celebração do sesquicentenário da imigração alemã para o RS, bem como o centenário das imigrações italiana e polonesa. Também trazia um pequeno perfil do engenheiro Gardolinski.
E um dos primeiros conjunto de fotografias que nos foi apresentado para ajudar a catalogar era relacionado à inauguração da rua Tadeuz Kociuszko, em Porto Alegre, onde descendentes da colônia polonesa apareciam, bem como o próprio Sr. Gardolinski. Segundo indica uma das fotos, que mostra a placa com o nome da rua, Tadeuz Kociuszko foi um herói nacional polonês3. A rua Tadeuz Kociuszko fica na zona sul de Porto Alegre, e, na verdade, se tratou de uma reinauguração, com a mudança de nome do logradouro, como demonstra outra das fotos do evento. Esta reinauguração deve ter ocorrido no início da década de 1970, conforme indicam automóveis vistos nas fotos, além da própria presença do Sr. Gardolinski, que faleceu em 1974.
Juntando tudo isso, o que temos? Mais pessoas vivendo sob a aparente normalidade, durante um regime de exceção.
Neste aspecto, a apresentação da monografia sobre a imigração polonesa é didática, como é possível ver na página 7:
“Andou bem avisado o Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Cel. Euclides Triches, ao instituir, com o Decreto 22.410 de 22 de abril de 1973, o biênio da COLONIZAÇÃO e IMIGRAÇÃO, no Rio Grande do Sul.
Os anos de 1974 e 1975 destinaram-se às festivas comemorações do invulgar acontecimento registrado nas páginas da história do povo gaúcho”
Se o ano é 1973, vemos que o Governador do Estado do Rio Grande do Sul possui o título de “coronel”. E em 1973, governava o Brasil o general-presidente Emílio Garrastazu Médici. Seu governo ficou marcado por duas frases que procuram sintetizar o que foi seu governo: “milagre econômico” e “anos de chumbo”, verso e reverso. Enquanto a economia crescia a cerca de 10% ao ano, e parte da população se sentia enriquecida por conta disso, aquelas pessoas que haviam decidido pegar em armas contra a ditadura estavam sendo mortas, ou presas e torturadas.
Mas como podemos constatar pelo descrito acima, as pessoas seguiam com suas vidas. No caso do seminário citado no início do texto, só uma família em cerca de 30 foi capaz de afirmar que se sentiu oprimida pela ditadura.
O engenheiro Edmundo Gardolinski também seguiu sua vida. Criando seus filhos e dedicando parte de sua vida à colônia polonesa.
E nisto não vai nenhum juízo de valor. Como eu afirmei no outro texto, desde que pude começar a prestar atenção em eleições, no final da minha infância, eu ouvia minha mãe que votaria na ARENA. A ARENA, Aliança Renovadora Nacional, como se sabe era o partido que dava base ao regime de exceção. E eu acho que prestei atenção nisso pela primeira vez, na eleição de 1974.
A ditadura militar estava aí. De maneira sutil. A impressão que dá é que para a maioria, ela nem parecia incomodar.
1RODRIGUES, José Alfredo. A Grande Ausente. Disponível em <http://aindaamoscaazul.blogspot.com/2008/08/grande-ausente.html>. Consulta em 30/06/2009.
2STAWINSKI, Alberto Victor. Apresentação. IN: GARDOLINSKI, Edmundo. Escolas da Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Caxias do Sul: EST/UCS, 1976.
3Rápida pesquisa na Internet, informa que Tadeuz Kociuszko foi um herói nacional polonês e lituano, que liderou um revolta contra o Império Russo, em 1794. Também teria servido no recém criado exército norte-americano, onde teria alcançado a patente de coronel. Além de uma rua em Porto Alegre, há logradouros com o seu nome no Rio de Janeiro (RJ) e em Duque de Caxias (RJ). Seu nome foi cedido ainda para um monte e um parque nacional na Austrália. Ver “Tadeusz Kościuszko” na Wikipédia, disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tadeusz_Ko%C5%9Bciuszko>, consultado em 26/06/2009; “About Mount Kosciuszko”, em <http://www.mtkosciuszko.org.au/eng1024.htm>, consultado em 30/06/2009.
Marcadores: anos 1970, Brasil, ditadura, ditadura militar, Golpe de 1964, jar, Porto Alegre, Rua Tadeuz Kociuszko
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