terça-feira, julho 28, 2009

Yes, Obama, You Can!

Yes, Obama, You Can!

Uri Avnery, 26/7/2009

http://www.planetarymovement.org/go/newsflash/yes,-you-can!-by-uri-avnery/

Antes, uma confissão: eu gostava muito do Hotel Shepherd. Nos primeiros anos, logo depois da Guerra dos Seis Dias, fui hóspede frequente. Meu trabalho como deputado no Parlamento de Israel exigia que eu passasse pelo menos dois dias em Jerusalém e, depois da guerra, troquei os hotéis de Jerusalém Oeste pelos da parte Leste da cidade. Meu hotel preferido era o Shepherd. Lá me sentia em casa.

O charme do hotel era a atmosfera especial que lá se respirava. Localizado no meio daquela antiga cidade árabe que, a própria cidade, já despertava minha curiosidade. Os quartos tinham pé direito muito alto e mobiliário antigo, e o hotel era dirigido por duas senhoras árabes, já idosas, educadas em Beirute, representantes ali da cultura libanesa-palestina.

O hotel ficava na parte da cidade habitada pelo clã al-Husseini, vasta família clânica, com mais de 5.000 membros e proprietária da maior parte da área de Sheikh Jarrah, onde também estava a legendária "Casa do Oriente" [1].

A família al-Husseini é uma das famílias da aristocracia jerusalemita, talvez a mais respeitada de todas (sem dúvida, na opinião da própria família). Por séculos a família controlou pelo menos um dos postos políticos mais importantes da cidade: o do Grand Mufti, prefeito e notável encarregado de administrar os locais islâmicos sagrados. O Hotel Shepherd foi construído por Hajj Amin al-Husseini, o Mufti que liderou a revolução árabe nos anos 1930s e tornou-se o árabe que a comunidade hebraica mais gostava de odiar.

Eu costumava passar horas conversando com as proprietárias do hotel, aprendia muito com elas e acabei apaixonado pelo hotel. O dia em que o hotel foi fechado foi, para mim, dia de muita tristeza.

Não sei como, o hotel acabou virando propriedade do milionário norte-americano, o rei do Bingo, cuja intenção declarada é construir prédios para colonos judeus em toda a parte árabe da cidade. Agora, quer construir prédios também no local onde ficava o Hotel Shepherd.

Nada disso interessa muito. Meu caso, hoje, é com Binyamin Netanyahu.

O objetivo de Netanyahu é judaicizar Jerusalém. Essa semana, vangloriou-se de, em seu último mandato, há dez anos, ter implantado e fortificado a colônia judia de Har Homa e arredores.

Também tenho laços sentimentais especiais com Har Homa – cujo verdadeiro nome é Jebel Abu Ghneim, "Montanha do Pai das Ovelhas". Muitas noites da minha vida passei-as na luta para impedir que se instalasse ali o monstruoso projeto de prédios que hoje lá está.

O líder daquela nossa luta foi outro Husseini – o inesquecível Feisal. Sempre o tive em minha mais alta estima. Não hesito em confessar que foi dos homens que mais amei.

Foi homem nobre no real sentido da expressão: nobre por ascendência, mas homem de hábitos simples, generoso, acessível, homem de paz que jamais tremeu nos confrontos com soldados da ocupação, um autêntico patriota palestino, de opiniões equilibradas, sábias e corajosas. Filho de Abd-al-Kader al-Husseini, líder dos combatentes árabes do distrito de Jerusalém na guerra de 1948, morto na batalha pelo "Castelo" próximo da cidade.

Não combati essa batalha, mas passei por lá, horas mais tarde, num comboio que levava mantimentos e remédios para os soldados israelenses sitiados na outra parte de Jerusalém. Como muitos soldados israelenses, sempre admirei Feisal al-Husseini como adversário honrado.

A área de Har Homa, para os que já tenham esquecido, foi região de beleza excepcional entre Jerusalém e Belém, uma colina coberta por mata verde, fechada. Os destruidores de Jerusalém – aquela coalizão brutal de tubarões da construção civil, sionistas fanáticos, milionários norte-americanos e místicos religiosos – decidiram matar aquela bela região para ali construir uma colônia exclusiva para judeus, densa, fortificada e espantosamente horrenda.

Sob a liderança de Feisal e Ta’amri, ex-marido de uma princesa jordaniana, instalamos lá uma tenda de campanha, para defender a colina.

Quando os tratores e tanques começaram a arrancar árvores e nivelar o terreno da colina, levamos para lá dúzias de pessoas, que permaneceram em vigília.

Num dos confrontos, fui ferido, tive uma hemorragia e teria morrido ali se uma ambulância palestina não tivesse conseguido chegar até onde eu estava, naquele deserto sem estradas, para levar-me até um hospital, a tempo. Claro que sou emocionalmente e pessoalmente ligado àquela colina.

O que estão tentando fazer com o prédio do Hotel Shepherd é parte, também, do mesmo esforço eterno para judaicizar Jerusalém. É uma provocação.

Está em andamento, ali, uma operação de "limpeza étnica" – a mesma operação iniciada há 42 anos, desde o primeiro dia da ocupação de Jerusalém Leste. De novidade, só, que, hoje, a operação obedece considerações táticas especiais, de um novo 'timing'.

Netanyahu está enfrentando pressão forte dos EUA, para paralisar toda e qualquer construção de prédios para colonos judeus na Cisjordânia.

Na prática, já quase nem pode mover-se, se deseja manter-se no comando da coalizão de governo que ele mesmo inventou – e onde há gente de direita, fanáticos religiosos, colonos e fascistas organizados de ultra-direita.

Já fez várias 'concessões', todas baseadas em projetos fraudulentos e promessas vazias, mas os norte-americanos parecem já ter aprendido a lição do passado e (ainda) não caíram outra vez em qualquer das velhas armadilhas de Netanyahu.

Seu gêmeo siamês, Ehud Barak, anda ocupado vazando 'notícias' para a imprensa sobre essa grandiosa operação: a qualquer instante, com um só golpe, como Alexandre para desmanchar o nó górdio, dezenas de "postos avançados" de novas colônias que lá estão desde 2001 acobertados pelo governo israelense serão desmontados.

Problema é que, exceto alguns jornalistas, já ninguém acredita que alguma coisa venha, de fato, a acontecer. Os colonos judeus, esses, têm certeza de que nada acontecerá. Basta ver como riem.

Então… para Netanyahu, trata-se mesmo de inventar algo para fazer, para conseguir não desmontar nenhum posto avançado.

Netanyahu é o rei dos 'vazamentos' para a imprensa. Então, teve uma ideia: inventar alguma outra provocação, para deslocar a atenção pública.

Assim, inventou o caso do Hotel Shepherd, que lá está, em Israel, distraindo a atenção mundial, para que ninguém olhe para o que acontece nas colinas "de Judeia e Samaria". Se aparece uma dor de dentes, a dor de barriga doi menos.

O quê?! – pergunta Netanyahu. – Os Goyim querem impedir-nos de construir em Jerusalém, nossa Cidade Santa?! Eterna capital dos judeus, reunidos afinal para toda a eternidade?! Que ousadia! E por acaso estão proibindo os judeus de construir prédios New York?! Em Londres?!

Netanyahu quase acertou uma, de fato, quando disse que, se qualquer árabe pode viver em Jerusalém Oeste, por que, então, um judeu não poderia construir casa em Jerusalém Leste?

Claro. Só que absolutamente falso. Quando Netanyahu diz coisas desse tipo, o mais difícil é determinar o quanto, no que diz, é mentira consciente (que se poderia denunciar facilmente), e o quanto é falsidade na qual ele creia, mesmo que só ele.

Por exemplo, disse que lembra dos soldados ingleses à frente de sua casa, quando era criança. É mentira, com certeza: quando o último soldado inglês partiu de Israel, Netanyahu ainda nem nascera.

A verdade é que, com muito raras exceções, nenhum árabe pode comprar um apartamento em Jerusalém Oeste (e, isso, para não falar de construir uma casa lá) – embora enormes áreas da parte ocidental de Jerusalém sejam tradicionais bairros árabes, cujos moradores foram expulsos ou forçados a fugir durante a Guerra de 1948.

Os antigos proprietários de casas nessas áreas da cidade (incluindo Talbiya, Katamon, Dir Yassin) que encontraram refúgio em Jerusalém Leste foram impedidos de voltar às próprias casas quando Jerusalém foi 'reunificada' em 1967; e jamais receberam qualquer indenização (que eu propus que lhes fosse paga, quando deputado no Knesset).

Mas Netanyahu nem liga muito, se alguém acredita ou não no que ele diga. Essa semana, como todas as semanas desde que voltou ao poder, passou-a toda integralmente ocupado com sobreviver no poder.

Para que Netanyahu sobreviva, a sua coalizão tem de permanecer intacta. Para conseguir isso, tem de provar que não "se curva" à pressão dos EUA. Não há melhor cenário para tal prova, que Jerusalém.

Sobre Jerusalém, como os porta-vozes do governo jamais se cansam de repetir, há "consenso nacional". De muro a muro. De cerca a cerca. Da esquerda à extrema direita.

Pois aí está mais um mito morto há muito tempo. Esse consenso não existe em Israel. Nesse momento, muitos israelenses estão prontos a devolver os quarteirões árabes de Jerusalém Leste às autoridades palestinas, em troca de chegarem todos a um real acordo de paz.

Não conheço uma única mãe judia interessada em sacrificar o próprio filho em guerra para defender o Hotel Shepherd.

Aproveito para desmentir outro mito que está sendo propagado incansavelmente pela imprensa em Israel: que se estaria formando um consenso nacional, em Israel, contra o presidente Obama.

Como se diz em hebraico clássico: "Não há ursos nem floresta." Ou, mais coloquialmente: "Não há aves nem chinelos."

Muitos israelenses, muitos, muitos, contam com que Barack Obama fará por eles o que será impossível sem ele: que lhes traga paz. Já desistiram de esperar que a paz chegue pelos canais do sistema político israelense, ou de alguma coalizão de situação e oposição, ou de união de esquerda e direita.

Israel está convencida de que só uma força externa alcançará essa esperança de tantos.

Se Obama tiver de enfrentar a recusa de Netanyahu sobre o fim da construção de prédios para colonos judeus na Cisjordânia, e se Netanyahu insistir em continuar a construir em Jerusalém Leste, muitos israelenses por-se-ão a rezar pela vitória de Obama, não de Netanyahu.

Hoje quem representa os verdadeiros interesses de Israel é Obama, não Netanyahu.

O problema é se Obama tem poder suficiente para ir mais longe e fazer mais do que qualquer outro presidente dos EUA jamais foi ou fez, desde Dwight Eisenhower. Netanyahu aposta que Obama não tem esse poder.

Os parceiros de Netanyahu nos EUA – os Republicanos derrotados nas eleições, os neoconservadores que hoje lutam nas sombras, os pastores evangélicos hoje quase silenciosos, todo o campo político que Obama derrotou – esperam recuperar seus milhões; para tanto, investem hoje em estimular o lobby judeu para que desafie Obama.

Netanyahu – que no passado já mobilizou o Congresso dos EUA contra a Casa Branca – está apostando que conseguirá fazer, outra vez, o que uma vez já fez.

Os jornais israelenses abrem manchetes entusiasmadas, com mapas e infográficos, para demonstrar que a popularidade de Obama já estaria despencando, em Israel.

Não é difícil saber que a maior parte desse noticiário sai do ministério de Negócios Estrangeiros de Avigdor Lieberman, a mesma fonte, aliás, que também alimenta os jornais dos EUA com matérias sobre uma crescente oposição a Obama em Israel.

Breve, breve, os jornais dos EUA começarão a mostrar fotos de protestos em Israel, com cartazes em que Obama aparecerá em uniforme da SS alemã. Foi o que fizeram com Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, antes de Obama.

Claro que a batalha nada tem a ver com 20 postos avançados nem com os 20 apartamentos demolidos do Hotel Shepherd.

Cada casa em cada colônia da Cisjordânia só é construída e lá permanece para uma finalidade: destruir toda e qualquer possibilidade de paz. E todas as casas israelenses em Jerusalém Leste também só lá estão com vistas a esse sublime objetivo.

Todos os inimigos da paz sabem que nenhum líder árabe jamais assinou acordo de paz que não confirmasse Jerusalém Leste como capital da Palestina; como também sabem que nenhum líder árabe jamais assinará acordo de paz, em nenhum caso, que não declare que a Cisjordânia é território palestino.

Uma responsabilidade histórica pesa hoje sobre os ombros de Barack Obama: não se curvar, não ceder, não conceder. É preciso insistir na completa paralisação de toda e qualquer construção nas colônias – porque esse é o primeiro, necessário, indispensável passo com vistas à paz.

É passo indispensável para o futuro de Obama, tanto quanto é passo indispensável para o futuro de Israel. Como israelense, digo-lhe: Obama, yes, you can!

Nota da tradutora Caia Fittipaldi:

[1] Sobre essa casa, onde funcionou o quartel-general da OLP, fechado em 1995, ver:

http://www.orienthouse.org/press/Release/05July19.htm

Este texto é originário do Saite Vi o Mundo.

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