terça-feira, julho 28, 2009

De AntonioGallotti@edu para D.Rousseff@gov: Já começou o processo de sucateamento de concessionárias de serviços públicos e ele termina em estatização

De AntonioGallotti@edu para D.Rousseff@gov

PREZADA ministra Dilma Rousseff,
Mensagens como esta devem obedecer às normas da concepção dos biquínis, curtos para aguçar o interesse e suficientemente longos para cobrirem o objeto. Quero pedir-lhe que baixe o seu santo sobre as agências reguladoras das concessões de serviços públicos. Se a senhora começar hoje, o país ficará lhe devendo a conjuração de um desastre. Faça-o sabendo que ninguém lhe dará o crédito. Não o faça e dirão que foi cúmplice do sucateamento e da posterior estatização de operadoras de telefonia, distribuição de energia e de parte dos serviços de transporte urbano.
Escrevo com a autoridade de quem presidiu a Light e seu conselho de 1955 a 1978. Não essa Light de hoje. A minha controlava a energia, os telefones e os bondes do Rio e de São Paulo. Algo como a Light mais a Eletropaulo, a Telefônica, parte da Telemar e os metrôs das duas cidades. Nós fizemos muito pelo progresso material e político do país. Até hoje o Getúlio Vargas me agradece o socorro que a Light lhe deu em 1935. Nosso gerente, Alfred Hutt, era o homem do Serviço Secreto inglês no Brasil. Ele controlava um dos agentes do Comintern que veio ajudar o Luís Carlos Prestes a fazer a revolução bolchevique e contava tudo ao Palácio do Catete. O marechal Castello Branco nunca deixa de lembrar a ajuda que demos na conspiração contra o João Goulart.
A partir dos anos 60 eu ajudei a estatizar nossas operações e depois participei de alguns entendimentos para privatizá-las. (A senhora não imagina o trabalho que tive para adequar as normas de contabilidade dos acionistas estrangeiros aos costumes patrimoniais de algumas autoridades brasileiras.) No espaço de um século transformamos concessionárias em estatais e, depois, novamente em empresas privadas. Grosso modo, o pacote trocou de dono a cada 30 anos.
Veja o que a senhora tem em volta. O serviço de banda larga da Telefônica de São Paulo capotou. O ministro das Comunicações e a Anatel não se entendem e vossas tarifas para celulares estão entre as mais altas do mundo. Diversas ferrovias operam abaixo das metas contratadas. Os trens da Central do Brasil e as barcas do Rio estão à espera de quem os compre. Há geradoras de energia que não cumprem os planos de expansão. A Eletropaulo desmanda-se em apagões que incentivam um mercado paralelo de geradores a gás para condomínios de gente endinheirada. O Tancredo Neves, que é um desconfiado, diz que eu estou por trás da anarquia que é a Agência Nacional de Energia Elétrica. Finge desconhecer que não podemos mexer nas coisas daí. Estou ciente disso desde 1986, quando cheguei aqui.
Em todos os casos, as agências reguladoras queixam-se da falta de investimentos dos concessionários que, por sua vez, reclamam da burocracia. Eu já vi esse filme no cinematógrafo sem som e em technicolor. Iniciou-se o processo de sucateamento de algumas dessas companhias. Coisa incipiente, porém estratégica. Posso lhe dizer: a partir de um certo ponto, o sucateamento interessa ao concessionário, pois ele sabe que, no limite, o Estado terá que ficar com a companhia.
Entre 2015 e 2025 caducarão quase todas as concessões de serviços públicos e o Estado escolherá entre renová-las ou deixar que caduquem. Essa solução é a pior, até porque antes de se chegar a tal ponto os serviços estarão inevitavelmente degradados. Nesse negócio, dez anos equivalem a dez minutos do nosso cotidiano. Se a senhora apertar dolorosamente os parafusos a partir de amanhã, a briga será civilizada. Se deixar para depois, será dolorosa, selvagem e inútil.
Apiedo-me ao acompanhar seu trabalho de supervisão sobre o Ministério de Minas e Energia e lastimo que a senhora tenha tolerado alguns preenchimentos de cargos nas agências reguladoras atendendo a critérios rudimentares. Esse mal está feito, mas nem tudo está perdido. A vida ensina que os incapazes temem o ronco do palácio.
Torcendo pela senhora e pela sua candidatura, despeço-me,
Antonio Gallotti

O texto é parte da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 26 de julho de 2009.

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