quarta-feira, maio 27, 2009

Ex-funcionário comenta a Petrobrás e a CPI da Petrobrás em entrevista

"CPI é farol para mariposas", diz especialista

Giuseppe Bacoccoli, pesquisador da Coppe-UFRJ, afirma que diretoria da estatal é muito política e "até quem é técnico tem indicação"

Para Bacoccoli, que atuou na empresa de 1965 a 1997, investigações podem pôr em risco o cronograma de produção do pré-sal

SAMANTHA LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

Tido como um dos maiores especialistas em petróleo do país, o pesquisador da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) Giuseppe Bacoccoli acredita que a CPI da Petrobras tenha potencial de atrasar o cronograma de produção das reservas do pré-sal. A CPI se propõe a investigar as mais recentes denúncias envolvendo a empresa, como a manobra contábil para pagar menos Imposto de Renda.
Bacoccoli, que trabalhou na estatal de 1965 a 1997, avalia que a diretoria atual é "muito política". Para ele, a CPI é como "um farol aceso que atrai mariposas", mas a empresa sairá bem das investigações.

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FOLHA - Que consequências a CPI pode trazer para a Petrobras, em termos operacionais e de negócios?
GIUSEPPE BACOCCOLI -
Consequências futuras só haverá se algo não estiver nos eixos. Mas é claro que, operacionalmente, se a CPI se estender e suspeitas se avolumarem, podemos chegar a uma situação de questionamentos e até suspensões das licitações para compra de equipamentos. Isso poria em risco o cronograma da companhia, principalmente em relação ao pré-sal. Realmente, a administração do PT vem tomando conta da Petrobras há muitos anos, mas, se tudo tiver sido conduzido de acordo com o esperado, será melhor.

FOLHA - Dos temas indicados para investigação qual o senhor acha que tem maior potencial de trazer problemas para a empresa?
BACOCCOLI -
As maiores denúncias deverão aparecer em relação às suspeitas de fraudes de refinarias e plataformas e também nos royalties. Mas é o que disse: se a empresa estiver correta como espero que esteja, não haverá maiores problemas. Na questão do Imposto de Renda, vejo tudo com naturalidade.
Quando fazemos Imposto de Renda como pessoas físicas, sempre podemos adotar este ou aquele modelo, usar esta ou aquela dedução. Foi isso que a empresa fez, ao que me parece: procurou a forma legal de pagar menos imposto. Na questão dos royalties, a lei é muito clara e não há o que ser questionado.

FOLHA - O sr. ouve histórias de fraudes?
BACOCCOLI -
Não tenho como dizer se ou como elas ocorrem.

FOLHA - Há um mês, a Folha noticiou que um assessor do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, comandava um esquema de repasses de recursos a entidades que organizavam festas juninas na Bahia, e que algumas eram ligadas ao PT. O sr. acredita que poderá haver dificuldade em explicar histórias como essa aos senadores?
BACOCCOLI -
Trabalhei na Bahia entre 1965 e 1968 como funcionário da Petrobras, e esse tipo de acusação é e sempre foi constante, infelizmente. Não sei como ele explicará.

FOLHA - O que o sr. acredita que Gabrielli terá mais dificuldades em explicar no depoimento à CPI?
BACOCCOLI -
O mais difícil não vai ser explicar, mas fazer os senadores entenderem e levarem em consideração o que ele fala, já que todos estão ali para aparecer. Parece-me que, neste momento, nada do que ele disser mudará alguma coisa.

FOLHA - O senhor acredita que, se a empresa não estivesse tão em evidência pela questão da descoberta das reservas no pré-sal, a CPI sairia?
BACOCCOLI -
A história do pré-sal ajuda a atrair a atenção dos políticos para a empresa, lógico. Essa CPI é como um farol para mariposas.

FOLHA - O calendário eleitoral, então, é outro estímulo?
BACOCCOLI -
Sim, e vão aproveitar para, mais uma vez, questionar o marco regulatório [desde que a Petrobras anunciou as descobertas de possíveis reservatórios na camada abaixo do sal, na bacia de Santos, o governo estuda mudar o modelo de exploração]. Vão novamente evocar o modelo da Noruega, que tem uma estatal que administra reservas e escolhe quais empresas podem produzir.
Mas ninguém lembra que, na Noruega, a produção de petróleo cai 7% ao ano e, no ritmo atual, o petróleo acabaria em oito anos. Esse é o modelo que querem trazer para cá.

FOLHA - Qual é sua avaliação sobre o posicionamento do presidente Lula, que criticou a criação da CPI?
BACOCCOLI -
O presidente tem uma relação dúbia com a empresa, e isso é resultado do fato de ele querer faturar ao máximo com ela. Não à toa, ele vive sujando as mãos de petróleo quando há campos novos em produção, quando a empresa levou o país à autossuficiência em petróleo. Mas, recentemente, ele anda puxando a orelha da empresa, dizendo que ela tem que entender que não é maior do que o Brasil.

FOLHA - A Petrobras vem buscando apoio de financiamento no exterior para conseguir fechar as fontes de recursos de seu plano de investimentos, de US$ 174 bilhões em cinco anos. Uma CPI poderá atrapalhar a empresa nesse sentido?
BACOCCOLI -
Acredito que não. Acho até que, ao fim, ficará comprovado o vazio de muitas denúncias, o que até facilitará a tarefa de trazer apoio estrangeiro aos projetos, porque pode deixar claro que a empresa tecnicamente é muito séria, e eu acredito nisso.

FOLHA - Qual é sua avaliação sobre a diretoria da Petrobras?
BACOCCOLI -
Tirando um nome ou outro, é muito política. Até quem é técnico, como a Graça [Maria das Graças Foster, diretora de gás e energia], tem indicação, no caso dela, da Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil]. O Barbassa [Almir Barbassa, diretor financeiro] é nome do Gabrielli, que, por sua vez, é nome do PT.

FOLHA - O sr. identifica outros momentos na história em que ela foi tão politicamente usada como hoje?
BACOCCOLI -
Não.

FOLHA - E quais são as consequências disso?
BACOCCOLI -
Ela perde em eficiência operacional. A questão da construção das plataformas é um exemplo. A empresa tem que contratar a maior parte do serviço no Brasil porque o governo quer, e não porque é necessariamente melhor para ela. A Petrobras está sempre à mercê do interesse político. A questão dos combustíveis é outra. Hoje a Petrobras ganha com a defasagem de preços da gasolina em relação ao preço internacional do petróleo. Mas, no passado, a empresa já perdeu muito dinheiro com isso.

FOLHA - Mas o sr. acredita que a empresa poderia estar em outro patamar, técnica e operacionalmente, se não fosse a interferência política?
BACOCCOLI -
Não, tecnicamente a empresa evoluiu, e muito.

Publicado na Folha de São Paulo, de 25 de maio de 2009.

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