terça-feira, maio 26, 2009

Nem perto de voltar ao normal

Nem perto de voltar ao normal


Três meses após o fim da guerra de Israel, a vida para os cidadãos de Gaza ainda é desanimadora.


Muhammad Khader coloca alguns tapetes e cobertores entre as ruínas de sua casa. Às vezes ele vai ali para descansar quando a tenda que ele divide com sua esposa e seis de suas filhas fica muito cheia. Eles fugiram de sua casa neste ano quando ela foi atingida por um míssil durante a guerra de Israel na Faixa de Gaza, e foram para a casa da única filha casada em Jabaliya, um campo de refugiados erguido originalmente pelos aldeões que fugiam em 1948 daquilo que hoje é Israel. A filha não tinha colchões e cobertores para todos, mas os vizinhos ajudaram.


Assim que as tropas de Israel se retiraram de Gaza em janeiro, a família Khader voltou para casa – para encontrar um pilha de entulho. Mesmo o galinheiro tinha sido arrasado. O galinheiro tinha sido a única fonte de renda desde que Khader, assim como milhares de outros homens da Faixa de Gaza, perdeu a permissão para trabalhar em Israel, após o início da segunda Intifada em 2000. Agora ele senta entre os escombros e olha fixamente as tendas verdes com logotipo do Rotary Internacional que a caridade árabe ergueu no lamacento e desolado campo na beira oriental de Jabaliya. Antes da guerra oliveiras e árvores de frutas cítricas cresciam ali. “Nós costumávamos trabalhar em Israel, diz ele”, acendendo outro cigarro, “Nós trabalhávamos para eles, erguíamos suas casas. E agora, veja o que eles nos fizeram”.


Khader é entre dezenas de milhares de palestinos que se tornaram sem-teto na recente guerra de Gaza. As agências da ONU estimam que 4.100 casas foram destruídas, e mais de 15.000 danificadas; 50.000 pessoas procuraram refúgio nas escolas da ONU durante o conflito. A maioria voltou para casa ou encontrou outros lugares para morar após o cessar-fogo. Mas milhares ainda estão amontoados no campo de refugiados provisório.


Uma máquina barulhenta limpa as ruínas num canto de Jabaliya, mas não há virtualmente nenhuma atividade de reconstrução em Gaza. Na conferência internacional de doadores, em Sharm-El-Sheik, Egito, em março, houve o acordo de U$ 4,5 bilhões de dólares para a reconstrução. Mas três meses após o cessar-fogo, os reparos ainda não começaram.


Israel ainda está mantendo as sanções impostas sobre a Faixa de Gaza após o Movimento Islâmico Palestino Hamas ter tomado a região, em julho de 2007, depondo pela força o rival secular Fatah. Os israelenses ainda se recusam a permitir a maioria das importações, com exceção de comida e medicamentos. Eles ainda barram a entrada de material de construção como concreto, aço e encanamentos, assim como equipamento industrial. Eles dizem que eles temem que o Hamas ou outros grupos de militantes possam desviar o material para a construção de bunkers ou de armas, tais como os rústicos foguetes que ainda são algumas vezes disparados contra cidades israelenses próximas.


Suprimentos para reparar as redes de água e esgoto, e de eletricidade danificadas durante a guerra também são barrados nos pontos de fronteira. 90% das pessoas sofrem com cortes de eletricidade, enquanto os demais 10% absolutamente não têm acesso à eletricidade. Enquanto cerca de 32 mil pessoas das cerca de 1,5 milhão da Faixa de Gaza não têm água corrente, 100.000 ou mais têm água uma vez a cada dois ou três dias. A agência da ONU que cuida dos refugiados palestinos por todo o Oriente Médio diz que taxa de doenças infecciosas, incluindo diarréia e hepatite viral, está crescendo, por conta das más condições de água e saneamento.


Não é permitida a entrada de gasolina e diesel na Faixa de Gaza desde de novembro, exceto pelos túneis cavados sob a fronteira egípcia, um dos principais alvos dos bombardeios israelenses, mas que foram rapidamente reparados; o contrabando floresce novamente. A associação palestina de proprietários de postos de combustível informa de 100.000 litros de diesel e 70.000 de gasolina entram em Gaza todos os dias pelos túneis.


O feijão enlatado que a esposa de Khader aquece no fogão à querosene vem do Egito também. “Feijão, feijão”, suspira seu marido. “Quanto feijão você pode comer?”Alguns meses já se passaram desde a última vez que a família comeu carne. O pão sírio recebido da caridade é a base da alimentação. Algumas de suas meninas estão anêmicas. “O médico me disse para lhes dar uma alimentação melhor”, diz a Sra. Khader, “mas o que eu posso fazer? Eu choro todos os dias!”


Na tenda ao lado, a amargura contra o Hamas é crescente. Muitos cidadãos de Gaza não aceitam a visão oficial do partido que a guerra foi uma grande vitória. Pelo contrário, muitos culpam o Hamas por conduzí-los de maneira temerária a uma guerra fútil que devastou seu já assediado território. “Onde está Ismail Haniyeh?”, grita um cidadão, referindo-se ao primeiro-ministro do Hamas. “Por que ele não vem aqui conferir como vivemos? Eu perdi meu lar! Por quê? Pelo sucesso do Hamas! Isto destruiu Gaza. Este é o fato.”


Agora os sem-teto de Jabaliya parecem colocar suas esperanças em um governo palestino de unidade. Se este fosse formado, eles dizem que Israel seria obrigado a levantar o cerco. Mas os partidos rivais ainda têm que produzir um acordo de reconciliação, após quase dois anos de violenta divisão.


O novo governo de Israel continua a ligar o final do bloqueio não só à deposição do governo do Hamas na Faixa de Gaza como também à libertação de Gilad Shalit, um soldado israelense sequestrado, que está há quase três anos preso em Gaza. O novo governo israelense parece menos propenso que o anterior a fazer concessões, incluindo a libertação de centenas de prisioneiros palestinos, que poderiam fechar um acordo. Um pintor palestino em Jabaliya pintou um mural do soldado Shalit como um homem jovem ao lado de imagens de como ele pareceria velho e grisalho, após outros 30 anos em cativeiro. “Se eu visse Shalit”, diz um morador de Jabaliya, “Eu apenas diria para ele voltar para casa, em seu país”.


Até que a fronteira seja aberta para produtos e serviços, será impossível reconstruir Gaza – ou dar a seu povo uma vida próxima da normalidade. “Isto faz você pensar sobre o que aquele acordo de doadores significou”, diz um funcionário da ONU, na cidade de Gaza.



Este texto é uma tradução feita pelo blogueiro de reportagem da The Economist.

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