"Capitalismo encurralado"
"Capitalismo encurralado"
"CAPITALISMO encurralado" é o título da capa e do texto de abertura da "Economist" desta semana. Trata-se de um elogio à mais que centenária atitude liberal da revista britânica e ao "capitalismo". E de um panfleto que convoca companheiros de viagem para o bom combate de defender o "capitalismo" nestes tempos de "estatismo". E nós com isso? A "Economist" costumava ser a síntese jornalística mais inteligente e irônica da opinião da elite "liberal anglo-saxã", digamos. Nesta semana, a opinião da revista é uma síntese da vulgaridade intelectual que tem sido a reação do "establishment" à fúria popularesca contra financistas e, ainda, ao que passa por crítica no esquerdismo retrógrado.
Os conservadores se limitam a justificativas grosseiras para o desastre que provocaram e a um "cala-boca". Estão como a dizer: o Estado fará só uma manutenção do "capitalismo", que assim é, sempre o será e beneficia até crioulos, se dêem por felizes, não encham a paciência e levem as gorjetas. Calem a boca e nem lembrem que o economicismo faz água por muitos furos (furos tais como a eficiência dos mercados e a racionalidade dos agentes, que luminares da economia agora dizem ter falhado por "falta de moralidade").
Os conservadores do museu da esquerda, por sua vez, acreditam que se abriu uma janela de oportunidade para reocuparem o Estado, uma chance de restauração estatista e de barragem contra inovações econômicas, não de uma possibilidade de mudanças sociais democráticas.
Por que "capitalismo" entre aspas? "Capitalismo" é conceito grande demais até para livros, que dirá para revistas e modestos artigos de jornal. Mas a revista diz que, na última década, o "capitalismo" deve (sic) ter elevado a renda per capita da humanidade como "nunca antes", o que nem é verdade nem faz muito sentido. A "Economist" comete ainda a imprudência de citar a contribuição da China para tal progresso -a China, que bancou boa parte do descalabro econômico americano e é aquele modelo de liberdade política e econômica.
Enfim, de qual "capitalismo" se trata? Existem, na verdade, mercados mais ou menos livres pelo mundo: EUA, França, Suécia, Coréia, China, Brasil. No que diferem e se parecem tais Estados, sociedades e mercados? A pergunta é crucial, pois revela a possibilidade de alternativas, presentes e futuras, que o "cala-boca" conservador quer reprimir.
A crítica grosseira ao "estatismo", que "tolhe a liberdade", quer é calar a crítica da dominação e da distribuição desigual de poder (e liberdades) em sistemas em que é grande a desigualdade econômica. Centrar o debate na "necessidade de regulação" parece mais uma disputa grupal sobre quem vai mandar, burocratas ou financistas, danem-se as liberdades. Tal atitude tanto menospreza o problema de quão difícil é regular como apaga o conflito sobre distribuição de poder e oportunidades, em sistemas regulados ou não. Enfim, a "Economist" sintetizou a propaganda do status quo: a ideologia do "fim da história" e sua tentativa de reprimir sugestões alternativas de como tornar os indivíduos mais livres diante do poder econômico e do poder do Estado, os quais, aliás, costumam ser a mesma coisa.
Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo de 17 de outubro de 2008.
Marcadores: capital especulativo, capitalismo, crise, crise do "subprime", economia
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