O homem da ONU ganhou um Caveirão
O CORONEL PM Marcus Jardim, chefe do 1º Comando da Área da Capital do Rio de Janeiro e rotundo quindim da política de segurança do governador Sérgio Cabral, gosta de gracinhas. Em novembro de 2007, quando comandava um batalhão em Olaria, anunciou que "este ano será marcado por três pês: Pan, PAC e pau". Em abril passado, depois que morreram nove "supostos traficantes" numa operação policial contra um morro, o coronel informou que a PM é "o melhor inseticida social". Numa cidade onde a manipulação da histeria produziu a maldita e inexplicável figura do "suposto traficante", fazia-se necessário um coronel engraçado.
Seu melhor momento deu-se em novembro, quando recebeu no quartel o professor Philip Alston, fiscal das Nações Unidas para questões relacionadas com execuções sumárias. Diante da imprensa, presenteou-o com uma miniatura do "Caveirão", aquele blindado que dá aos coronéis da PM do Rio a sensação de comandar os tanques do general George Patton na Itália. Dando voz à inteligência de sua piada, anunciou: "Quem não gosta do Caveirão gosta de maconha. Quem não gosta do Caveirão gosta de cocaína". Ou ainda: "O que nós vivemos é uma guerra urbana".
O coronel desperdiçou valentia, pois Alston não estava sob sua jurisdição. Nascido na Austrália, ele é professor da New York University, já passou uma temporada em Harvard e há poucos dias concluiu a versão preliminar de seu relatório sobre o Brasil. Não fez referência ao mimo que recebeu, mas mencionou a filosofia pesticida do coronel Jardim. Parece até que Alston coordenou seu trabalho com a milícia da favela Batan. Disse o seguinte, referindo-se ao Brasil, não apenas ao Rio:
"Uma das principais razões da ineficiência da polícia na proteção dos cidadãos diante das gangues está no fato de freqüentemente aplicar violência excessiva e contraproducente quando está de serviço. Fora do serviço, participa daquilo que resulta no crime organizado".
Alston visitou o Rio depois da ocupação militar do Complexo do Alemão, onde morreram 19 pessoas. Relatou que ninguém lhe mostrou uma só prova de que essas mortes tenham sido investigadas. A crítica de Alston vai ao coração da política do governador Sérgio Cabral e da cenografia do coronel Jardim:
"No Rio, muitos funcionários consideraram a operação do Complexo do Alemão um modelo para iniciativas futuras. Seus resultados reais são dignos de nota: os maiores traficantes não foram presos nem mortos, e poucas drogas ou armas foram capturadas. (...) Na medida em que a operação do Complexo do Alemão reflete a estratégia central do governador do Rio, ela é orientada politicamente e resulta em policiar de acordo com as pesquisas de opinião. Ela é popular junto àqueles que buscam demonstrações de força e resultados rápidos. É irônico que seja contraproducente. Vários policiais experientes com quem eu falei mostraram-se muito críticos dessa idéia de "guerra'".
Quem não lembra da figura de Anthony Garotinho em 2004 cantando vantagem depois que sua polícia matou cinco na Maré? Dizia assim: "O papel da polícia não é fugir do bandido, é enfrentá-lo". Era a tal da linha do enfrentamento reciclada pelo doutor Sérgio Cabral. Afinal, no combate ao crime, Cabral e Garotinho sempre estiveram juntos.
Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 4 de junho de 2008.
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