Argentina II
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
A aparentemente interminável crise do campo na Argentina desembarcou ontem na Piazza Navona, uma das mais belas praças do mundo, no coração de Roma.
Foi quando Cristina Fernández de Kirchner, a presidente da Argentina, chegou mais cedo do que o previsto para um encontro com seu colega Luiz Inácio Lula da Silva no histórico Palácio Pamphilj, sede da embaixada brasileira. A presidente desceu no meio da praça e foi tomar café no Don Chisciotte, o restaurante que fica bem em frente ao Pamphilj.
Quando saiu, foi reconhecida por uma dupla de turistas argentinas que, no carregado sotaque portenho, gritaram: "Aguanta, Argentina". Cristina sorriu e acenou para as moças, certa de que estava sendo acarinhada em sua disputa com os agricultores argentinos. Mas, mal deu as costas, as duas repetiram o grito, com um adendo: "Aguanta el campo, Argentina".
Depois do encontro, o chanceler Jorge Taiana saiu a pé e enfrentou os jornalistas. Deu a versão do governo para a crise: tratar-se-ia de disputa pela distribuição de renda. "Ante o aumento extraordinário dos preços dos alimentos, o que se discute na Argentina é como se distribui essa renda extra. O governo acha que se deve distribuí-la para toda a sociedade, e alguns setores acham que deve se concentrar apenas neles."
Traduzindo: para Taiana, o governo impôs tributos novos à produção agrícola para redistribuir o arrecadado, ao passo que os produtores agrícolas preferem ficar com o ganho. Uma versão micro desse interesse setorial surgira pela manhã na Piazza, quando um turista brasileiro viu o presidente Lula na sacada da embaixada e pediu: "Lula, resolve o meu problema". Nem disse qual.
Texto da Folha de São Paulo, de 4 de junho de 2008.
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