Argentina I
Comércio e indústria ligados ao campo paralisam atividades em apoio a produtores
Movimento é reação a aumento de impostos sobre exportações agrícolas; medida visa distribuir lucros do setor, afirma governo
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Empresas do comércio e da indústria ligadas ao setor agropecuário da Argentina paralisaram suas atividades por duas horas ontem, em apoio ao novo locaute organizado pelos produtores rurais. A paralisação marcou nova interrupção nas negociações com o governo, no conflito que já dura 85 dias. Na principal manifestação, os ruralistas reuniram cerca de 30 mil pessoas em um ato no povoado de Armstrong, na Província de Santa Fé.
Ontem à noite, os líderes das principais entidades rurais argentinas estavam reunidos em Rosario para decidir se estenderiam o locaute até a próxima sexta-feira.
Nos últimos dias, os produtores realizaram o terceiro locaute em menos de três meses e impediram a venda de grãos para a exportação e de carne para o mercado interno. O movimento é uma reação ao aumento de impostos sobre a exportação de grãos, decretado em março. A medida, segundo o governo, tem o objetivo de aumentar a disponibilidade de alimentos no mercado interno -para combater a inflação- e redistribuir os lucros obtidos pelo campo com a explosão do preço das commodities agrícolas no mercado internacional.
Na semana passada, o governo anunciou mudanças na medida, reduzindo as alíquotas do chamado "imposto móvel" -que varia segundo o preço internacional das commodities. Mas elas foram mal recebidas.
Contramarchas
O dia de ontem foi marcado por protestos, carreatas e "tratoraços" em solidariedade ao campo em cidades do interior. Em Buenos Aires, o apoio veio de manifestações de partidos de esquerda e de trabalhadores do setor pecuário. Já os piqueteiros governistas fizeram sua contramarcha, na capital, em frente à sede da Sociedade Rural Argentina.
No ato em Santa Fé, o presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi, afirmou que o protesto seguirá "pelo tempo que for necessário". "As políticas agrárias aplicadas pelos Kirchner são um obstáculo", disse Buzzi, que também reclamou da manipulação dos índices de inflação. "O país não tem somente um problema agropecuário, é tempo de mudar as políticas deste governo."
O líder ruralista convocou novo ato para o dia 25 de junho.
Segundo o analista político Jorge Castro, o governo argentino está sofrendo uma crise de legitimidade que explodiu com o confronto com o setor agropecuário. "Diante dessa crise, a tendência à desobediência é crescente e generalizada, como podemos ver nos atos de hoje [ontem]", disse.
O analista ressalta que, diante da falta de diálogo, a tendência é que se chegue a "uma tensão cada vez maior e uma polarização cada vez mais ampla". "Vivemos uma crise política de dupla dimensão, com a oposição do campo e com governadores da base do governo decidindo apoiar o setor."
Diante do conflito, a Igreja Católica decidiu convocar uma reunião extraordinária da Conferência Episcopal Argentina para a próxima quinta-feira. A última vez em que a igreja convocou um encontro desse tipo foi no início de 2002, após a crise que levou ao fim da paridade peso-dólar.
A presidente Cristina Fernández de Kirchner participava ontem na Itália da conferência da ONU sobre alimentação e agricultura.
Texto da Folha de São Paulo, de 4 de junho de 2008.
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