quinta-feira, maio 08, 2008

Parlamentar que negocia com as Farc conquista a ira dos colombianos

Simon Romero

em Caracas



Aqueles que procuram um gostinho daquela sensação "casablanquiana" desta cidade poderiam atualmente ir até o saguão do Hotel Meliá. Iranianos desnorteados pela diferença de fuso horário chegam em vôos provenientes de Teerã. Militares de boinas vermelhas, que fazem parte da guarda presidencial de elite, ficam perto do piano. Empresários da Belarus discutem negócios enquanto esvaziam copos de uísque.

E, é claro, Piedad Cordoba, a senadora colombiana que está aqui, no centro das negociações com o maior grupo rebelde da Colômbia, anima este cenário quando está na cidade. Na vizinha Colômbia, e agora aqui na Venezuela, poucos políticos geram tanta emoção e polêmica.

Cordoba janta com guerrilheiros e coloca as boinas deles na cabeça para tirar fotos. Deslocando-se entre Bogotá e Caracas, ela dança nos salões de salsa daqui, como o El Mani es Asi. Ela usa turbantes, evocando as suas raízes africanas, uma rara distinção em um país como a Colômbia, onde geralmente espera-se que os políticos sejam homens de pele clara oriundos das classes abastadas.
E, provocando acusações de traição na Colômbia, ela declarou vociferante que apóia o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, em um momento no qual Chávez e o presidente Álvaro Uribe, um forte aliado do governo Bush, estão engajados em uma batalha retórica.

"Suponho que eu seja meio única", diz Cordoba, 53, em uma entrevista no terraço do Meliá. "Mas a Colômbia terá que se acostumar comigo porque eu não vou sair".

Mas muita gente na Colômbia está demorando para se acostumar com a idéia. Por exemplo, voar de um país para o outro tornou-se um problema para ela. Os outros passageiros cobriram-na de insultos e ameaças antes de ela embarcar em um vôo de Bogotá para Caracas em janeiro. Os funcionários da companhia aérea e os policiais da alfândega intervieram para protegê-la de mais agressões.

"É evidente que quando uma pessoa se expressa contra o seu país, como tem feito a senadora Piedad Cordoba, bem, naturalmente alguém reagirá", disso após o incidente o ministro da Justiça da Colômbia, Carlos Holguin.

A respeitada revista colombiana "Semana" chamou Cordoba de "a mulher mais controvertida da Colômbia", comparando a sua diplomacia com a guerrilha às aproximações feitas por Jane Fonda ao Vietnã do Norte no início dos anos 1970. O índice de desaprovação de Cordoba disparou em janeiro para 63%, o mais elevado no país. Dois meses antes este índice era de apenas 32%.

Grande parte da ira contra Cordoba está relacionada aos seus esforços para obter uma solução negociada para a longa guerra interna da Colômbia. Ela está trabalhando em conjunto com Chávez para conseguir a libertação de dezenas de reféns, incluindo três mercenários norte-americanos, que estão em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc.

Eles tiveram algum sucesso. As Farc, que buscam a libertação de centenas dos seus próprios militantes encarcerados, entregaram dois reféns importantes a Cordoba em janeiro nas selvas colombianas. Nesta semana eles libertaram outros quatro parlamentares, que eram mantidos em cativeiro havia mais de seis anos, entregando-os a ela e a outros emissários de Chávez.

Mas o apoio de Cordoba a uma proposta de Chávez no sentido de remover as Farc de listas de terroristas acabou sendo demais para muitos colombianos, que temem as táticas do grupo. Durante quatro décadas de guerra, a organização obteve dinheiro em grande parte por meio de seqüestros e do tráfico de cocaína. Mesmo assim, Córdoba sabe que não existem inocentes nesta longa guerra. Em 1999, ela foi seqüestrada por membros de um grupo de extermínio paramilitar de direita no centro de Medellín, a cidade onde mora. Após ter sido libertada, ela seguiu para o exílio em Montreal com os quatro filhos, um período que descreve como sendo o mais doloroso da sua vida.

Enfrentar a burocracia do sistema canadense para refugiados políticos foi assustador, conta ela, assim como começar da estaca zero em uma sociedade tão diferente. "Não havia nenhuma casa com uma piscina e um carro na garagem esperando por nós", diz Cordoba. Após passar cerca de dois anos em Montreal, ela retornou à política na Colômbia.

Como senadora, Cordoba parece divertir-se dizendo em público coisas que muitos outros colombianos só diriam entre quatro paredes. "Todo colombiano traz no coração um pouco de soldado paramilitar", disse ela com brio no Hotel Meliá, enquanto hóspedes e pessoas que passavam por ali tomavam café expresso e observavam.

A declaração foi um golpe contundente contra a tolerância da sua sociedade para com os mesmos tipos de exércitos particulares que a seqüestraram. Em um escândalo que desdobra-se vagarosamente, essas milícias obtiveram apoio de aliados do presidente Uribe no Congresso da Colômbia e junto à sua principal agência de inteligência.

Como Uribe, Cordoba é uma advogada de fala articulada; ambos vieram de Antioquia, a província economicamente vibrante cuja capital é Medellín. Mas as similaridades acabam aí, já que Cordoba tornou-se uma das críticas mais ferrenhas de Uribe, que é descendente de uma poderosa família de latifundiários.

Cordoba afirma que a sua propensão a dizer o que pensa surgiu durante a sua infância em Medellín, como filha de um homem negro e uma mulher branca, ambos professores.

"A minha família e eu éramos considerados extraterrestres", conta ela. "Eu entendo o que é ser diferente, e é por isso que defendo os homossexuais, as mulheres, os negros, e qualquer pessoa que possa defender".

Enquanto freqüentava a faculdade em Medellín, Cordoba diz que sentiu-se atraída pelo teatro e pelas idéias revolucionárias. Mas ela evitou os grupos guerrilheiros que ganhavam ímpeto naquela época, e define-se como pacifista. Mais tarde, ela teve a sua iniciação na política como secretária particular de um ex-prefeito de Medellín, William Jaramillo Gomez, tendo emergido como sua protegida.

Mas enquanto o trabalho de Cordoba era reconhecido por apoiar as minorias da Colômbia, as suas boas relações com os guerrilheiros esquerdistas do país foram demais para muitos colombianos, ainda que eles admitam reservadamente que ela possa ser uma das únicas pessoas capazes de obter a libertação dos reféns das Farc.

Ernesto Samper, o ex-presidente colombiano, contou que pôde presenciar as emoções geradas por Cordoba quando recentemente entrou em uma barbearia de Bogotá na qual duas mulheres discutiam política. Segundo Samper, uma delas odiava Cordoba, enquanto a outra a adorava.

"É um erro achar que a carreira política dela acabou", afirmou Samper em uma entrevista por telefone.

E, assim, Cordoba segue em frente com a sua nova fase, que faz com que ela passe tanto tempo em Caracas, nos corredores do palácio de Chávez e no Meliá, quanto em Bogotá. Ao ser questionada a respeito de comentários na Colômbia de que ela deveria simplesmente ficar de vez na Venezuela, Cordoba sorri e afirma que não pretende fazer tal coisa.

"Não é de se surpreender", diz ela, gargalhando. "Na Colômbia, com a minha face, o meu turbante, as minhas palavras, sou inimiga pública número um".



Texto do The New York Times, no UOL. (para assinantes)

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