quinta-feira, maio 01, 2008

O cretinismo moral do FMI

O cretinismo moral do FMI

Falido, incapaz de prever crises, de um amoralismo sinistro e histórico, Fundo agora se permite dar lições de moral


FRACASSADO E incompetente como zelador da finança mundial, o FMI agora se dá ares de porteiro da moralidade, de Fundo Moralizante Internacional.
Seu diretor, Dominique Strauss-Kahn, diz que produzir biocombustíveis é um "problema moral", pois fabricar álcool e biodiesel esfomeia ainda mais os famélicos da terra.
O FMI quer limpar sua barra com essa demagogia farisaica, assim como tem feito o Banco Mundial, seu primo-irmão. Agregou-se à campanha de alguns governos ricos, múltis produtoras de comida industrializada, ambientalistas reacionários e de barnabés da ONU contra biocombustíveis. Os ricos "comovem-se" com a fome, mas o que oferecem em ajuda para alimentar pobres equivale a cerca de um centésimo da renda que transferem para seus agricultores subsidiados e protegidos.
Inepto e balofo, o FMI cobriu-se de ridículo extremo ao praticamente falir, pois o fundo monetário do planeta não soube programar seus gastos e receitas. Como sempre, continua incapaz de perceber crises financeiras até mesmo quando estas estouram diante de suas fuças.
Pouco antes da crise da Ásia, em texto de abril de 1997, dizia que "não havia sinais de tensões e desequilíbrios" que antecedem recessões (na época, o jornal britânico "Financial Times" publicou um título sobre tal relatório que ficaria famoso: "FMI vê o mundo cor-de-rosa").
Meses antes do estouro da crise imobiliária americana, em abril de 2007, o FMI dizia enormidades desta espécie em seu "Relatório de Estabilidade Financeira Global": "Essas fragilidades estão circunscritas a certas áreas do mercado "subprime" (...) e provavelmente não constituem uma séria ameaça sistêmica.
Testes de estresse feitos por bancos de investimento mostram que, mesmo em cenários de queda nacional e sem precedentes históricos dos preços de imóveis, a maioria dos investidores expostos às hipotecas "subprime" por meio de derivativos não sofrerá perdas". Capítulo 1, página 7.
Inverta-se tudo que o FMI escrevera em abril de 2007 e teremos uma descrição do que ocorreu a partir de agosto de 2007. Note-se, ainda, que o Fundo lambia botas de estudos realizados pelos próprios interessados em camuflar o rolo imobiliário, os bancos de investimento, que só não foram mais à lona nesta crise graças à mãe de todos os programas de seguro financeiro subsidiado, os empréstimos camaradas do Fed. Nem se mencione, de resto, que o Fundo sempre foi benevolente com as farras financeiras de quem o financia, os EUA, na maior parte.
Além de incompetente, o agora Fundo Moralizante Internacional sempre foi de um amoralismo sinistro, indiferente a sofrimentos, amigo de ditadores liberalizantes e adepto de golpes de Estado. Durante a crise asiática, deu as suas receitas invariáveis e, portanto, ruinosas, sem jamais se importar com "timing" e contextos socioeconômicos e políticos. Levou a Indonésia a cortar subsídios para alimentos. O preço do arroz mais que triplicou e houve protestos sangrentos, com centenas de mortos. A fome então não era um "problema moral". Na época, o país era tiranizado por Suharto, ditador, assassino e ladrão que saqueara o país por três décadas. Mas ruim mesmo era o subsídio do arroz.



Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 20 de abril de 2008.

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