O Rio de Janeiro não é um burgo podre
A CANDIDATURA de Fernando Gabeira à Prefeitura do Rio de Janeiro será um sopro de inteligência na campanha eleitoral de uma cidade que parece entregue a um condomínio de caciques, comendadores e poderosos chefões. Na ponta do lápis, sua chances são pequenas, menores que as de Barack Obama em fevereiro do ano passado.
Desprezando o pedaço de sua biografia que ficou no século passado, vale relembrar que Gabeira mandou o PT passear em outubro de 2003.
Naquela época, os poderosos da República veneravam a trindade de comissários do "núcleo duro" do governo: José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken. (O primeiro registro digno de fé da existência de um sistema de mesadas no Congresso é de fevereiro do ano seguinte. O termo mensalão só aparece em setembro.)
Aos 67 anos, o deputado do PV entra em mais uma briga, carregando nas costas a mochila da decência. Há candidatos em quem se vota para ganhar e há aqueles com quem se vai na certeza da derrota. Lula em 1994 e 1998 foi um exemplo desse paradoxo da democracia. Gabeira parece ter essa qualidade. É melhor perder com ele do que ganhar com alguns de seus concorrentes.
Em 1973, opondo-se à fusão dos Estados do Rio e da Guanabara, que continha a valorosa cidade de São Sebastião, o economista Eugênio Gudin escreveu um memorável artigo intitulado "A Guanabara não é um burgo podre". Quase meio século depois, grande parte do poder político da cidade concentrou-se nas mãos de oligarcas e chefões.
Gente estranha, que se elege coligando-se com o inimigo a quem chamou de ladrão ontem e chamará novamente amanhã. Politicamente, o Rio de Janeiro nunca esteve tão perto de virar um burgo podre.
Nunca é demais lembrar que foi Nosso Guia, associado ao comissário José Dirceu, quem permitiu o aparecimento da dinastia dos Garotinho e de seus derivados. Em 1998, a dupla interveio no PT do Rio de Janeiro e detonou a candidatura de Vladimir Palmeira ao governo do Estado. Só o tempo dirá se essa decisão pode ser comparada à chegada do mosquito da febre amarela ao porto da cidade.
A presença de Fernando Gabeira na eleição talvez não resulte na sua ida para a prefeitura, mas terá três efeitos, todos benéficos. No primeiro, melhorará o nível de decência da disputa. Mesmo que melhore pouco, isso já será alguma coisa. No segundo, justificará a ida de pessoas para a rua, nem que sejam cinco. A idéia de ver alguém numa esquina agitando uma bandeira sem aquela cara de quem está esperando um lanche e R$ 50 já faz bem à alma. No terceiro, o mais relevante, trará uma voz que nunca se associou à demofobia que tomou conta da agenda político-social do burgo. Afinal, a Rocinha não é "uma fábrica de produzir marginal". Se fosse, o Rio já teria acabado.
O carioca não vive numa cidade qualquer. Quando ele vem pela avenida Rio Branco, passa pelo monumento a Floriano Peixoto, dobra e cruza com Deodoro da Fonseca e Getúlio Vargas. Quando chega à Siqueira Campos, vê o bronze (horrendo) dos 18 do Forte. Foi na sua cidade que aconteceram as coisas que fizeram a história daquelas pessoas. Era numa esquina de Ipanema que Tom Jobim e Vinicius de Moraes viam o mundo inteiro se encher de graça.
Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 5 de março de 2008 (para assinantes).
Marcadores: eleições 2008, Fernando Gabeira, Gabeira, Rio de Janeiro
3 Comments:
Melhor esse artigo do que o do Paulo Henrique Amorim defendendo a candidatura do Pastor Crivella e do Wagner Montes, seu patrão e colega de trabalho na Record da IURD.
Ok.
De repente, Gabeira virou uma das reservas morais da nação. Hummm... Danou-se!
Um abraço.
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