domingo, março 09, 2008

Das Crônicas do Heuser: O Pastel do Mezenga

O pastel do Mezenga

Por Paulo Heuser

Dia desses, eu resolvi tomar o café da manhã fora. A única coisa que não faz parte do meu café da manhã é o café. Gosto de bebidas mais saudáveis, como fanta, fruki, mirinda ou sukita, coisa que aqueles que preparam os cafés dos hotéis ainda não perceberam. Alguns chegam a me perguntar: café ou chá? – Fanta, lhes repondo. Assim, adentrei o Bar do Mezenga, nos baixos da Caldas Júnior, atrás do famoso pastel da casa e de uma fanta gelada.

O Mezenga vendeu o ponto, faz algum tempo, e partiu para um restaurante de comidas mais gaudérias. Deixou saudade. Arrisquei assim mesmo. O lugar ficou estranho, com aquelas máquinas de videopôquer. Como não sou afeito ao pôquer matinal, preferi assistir ao noticiário da manhã na TV. O antigo pastel também se foi com o Mezenga. O novo não escorre como aquele. Havia uma técnica especial para comê-lo. Quebrava-se a massa em uma das extremidades e entornava-se a gordura no cinzeiro. Pastel fresco é assim, escorre.

Deliciando-me com a fanta, não tanto com o novo pastel, observei que a mesa ao lado estava ocupada por pai e filho, este de uns sete anos de idade, mais ou menos quatro, para ser bem preciso. O olhar do menino estava grudado na tela da TV, enquanto mastigava seu ex-pastel do Mezenga. Ele provavelmente nunca saberia o que é um verdadeiro pastel – pensei. Meio ovo, azeitona inteira e a cozinheira invisível, eis o segredo. Enquanto as mandíbulas do menino encontravam-se ritmicamente, o locutor falava da possibilidade de cassação do vereador que aparecia na imagem: um homem postado com as mãos para cima, usando imenso crucifixo dourado, com longos cabelos e barba, túnica branca e uma coroa de espinhos sobre a cabeça, – Jesus! – gritou o menino.

Horrorizado, o pai apressou-se em explicar ao menino que aquele não era Jesus, era o Cururu, vereador de Pelotas, enquanto o locutor informava da possibilidade cassação do edil por quebra de decoro, já que este havia vestido uma túnica branca, manipulado objetos e proferido palavras cabalísticas. – Ele é padre, pai? Novamente o pai respondeu-lhe negativamente, enquanto lhe explicava que aquela era uma cerimônia de vodu.

Entre um gole e outro de fanta, entendi a confusão que tomou conta do menino que assistia àquele espetáculo ritualístico-legislativo. Alguém vestido daquele modo efetivamente se parece com a imagem de Jesus nas pinturas religiosas. Confundi-lo com um sacerdote cristão também não é difícil, desde que se acredite que o hábito faz o monge. Curiosamente, o refrão que Cururu usou na fracassada tentativa de eleger-se deputado federal, informava que, além de ter micose nos dedos dos pés, dor na coluna, bicho-de-pé e coceira na cabeça, já fora vendedor de pastéis, entre outras coisas. E o homem foi eleito vereador com 4.643 votos, o quinto mais votado em Pelotas, em 2004. Portanto, representou legitimamente 4.642 cidadãos, além dele próprio, ou 2,42 por cento da população de Pelotas.

Os ataques aos cultos legislativos do Cururu mostraram um lado por vezes oculto da discriminação. Os adeptos a outras crenças ficaram ofendidos com a performance do Cururu. Como reagiriam se a cerimônia fosse executada por um sacerdote pertencente às igrejas majoritárias? Um que vestisse túnica branca, manipulasse objetos e pronunciasse palavras ritualísticas?

Fim de fanta, fim do pastel. O menino ainda olhava para a tela da TV, com o olhar de quem nada entendia. Um dia, provavelmente lhe ensinarão sobre os sincretismos, religiosos e políticos. E ele nada entenderá, restando-lhe a fanta e a lembrança do pastel do Mezenga, do qual nunca chegou a provar. Assim é a democracia.

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3 Comments:

Blogger Jens said...

Oi Zé Alfredo.
Perigo, perigo, perigo...
Porra, acabou o Pastel do Mezenga; o Bar do Nereu vai fechar... Os bárbaros estão avançando. Acho que está na hora da gente fazer uma revolução. No passaron!
***
Hoje fiz referência lá na Toca ao prêmio com que me agraciaste. Thanks.

11:45 AM  
Blogger Regina Ramão said...

Muito boa esta crônica do Heuser!

2:24 PM  
Blogger José Elesbán said...

Re, eu também achei.

Jens, valeu.

4:05 AM  

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