terça-feira, março 11, 2008

DISPUTA ENTRE NICARÁGUA E COLÔMBIA VAI MUITO ALÉM DO ARQUIPÉLAGO DE SAN ANDRES

Na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) em que a Colômbia e o Equador fizeram um acordo para definir os próximos passos da apuração do ataque militar colombiano às FARC, em clara violação do Direito internacional, o único país que não aderiu foi a Nicarágua, que tem sua própria disputa territorial com a Colômbia.

Com o anúncio do rompimento das relações diplomáticas feito por Daniel Ortega, em solidariedade ao Equador, a situação começa a se encaminhar na direção que mais interessa ao Brasil. É o que preguei aqui, desde o começo, condenando a atitude inicialmente reticente do governo Lula, para desespero dos meus leitores: não é apoio às FARC, mas à defesa absoluta da integridade territorial dos países da América Latina, sem a abertura de precedentes que possam ser usados no futuro, inclusive pela China, a Rússia, a Venezuela ou as ilhas Cayman. Lembrem-se: o Brasil tem mais de 16 mil quilômetros de fronteiras terrestres.

Tem um monte de gente que vem até aqui fazer o nheco-nheco das FARC, do narcoterrorismo e assim por diante. Eu conheço a Colômbia. O narcotráfico não fez aliança apenas com as FARC. Fez com as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), o grupo paramilitar de extrema-direita que massacrou civis, tinha estreitas ligações com o Exército, a polícia e o governo da Colômbia e "entregou as armas" em condições de enrubescer até mesmo os americanos. Assassinos de todos os calibres ficaram livres, leves e soltos - muitos deles continuam ligados ao narcotráfico na Colômbia.

Nem por isso o Brasil tem o direito de jogar bomba na Colômbia. Nem para matar o Fernandinho Beira-Mar, nem para matar narcotraficantes colombianos ligados ao governo. A acreditar no Jornal da Globo, as FARC monopolizaram o cultivo da folha de coca, a produção e a exportação de cocaína no mundo. Não, gente, quem fez isso, na verdade, foram os aliados americanos que estão obtendo safras recordes de papoula para produzir ópio, no Afeganistão ocupado pela OTAN.

Não posso culpar quem nunca ouviu falar das AUC. Elas nunca apareceram no Jornal Nacional. Eu sei que existem leitores que se impressionam com o que diz a Globo. É um bombardeio tão intenso que até mamãe acredita. O problema é que falta à TV Globo o conhecimento "sensorial" dos assuntos internacionais. O correspondente que está em Buenos Aires fala sobre o Equador de ouvir dizer. Ele escreve, alguém que está no Brasil sugere mudanças no texto, ele grava e estamos conversados. Fica mais barato. É jornalismo à distância.

Além de conhecer muito bem a Colômbia, pessoalmente, tendo viajado extensivamente pelo país, inclusive para Medellin, li muito sobre a História colombiana, especialmente sobre o narcotráfico. O povo colombiano está, de fato, farto da violência. O problema é que Álvaro Uribe se elegeu e se reelegeu prometendo acabar com ela. Mas ela não acabou e não vai acabar com passeatas pela paz e bombardeios à vizinhança.

Quisera eu que o vice-presidente da Colômbia, Francisco Santos, que já foi refém da máfia do Pablo Escobar, sucedesse Álvaro Uribe, como estava previsto. Ele é jornalista da família que controla o jornal El Tiempo. Entrevistei longamente tanto o vice-presidente quanto o então prefeito de Medellin, o doutor em matemática Sergio Fajardo, agora sucedido pelo jornalista Alonso Salazar, ambos da Aliança Social Indígena.

Qualquer um dos três seria um ótimo sucessor de Uribe. Porém, a aliança de Uribe com a extrema-direita e os militares é fortíssima, assentada sobre interesses econômicos muito específicos. Na Colômbia, os generais, majores e coronéis controlam empresas de segurança privada, hotéis e grandes empresas beneficiadas pelo governo. Essa turma sabe que para se manter no poder precisa de guerra. Guerra permanente. Guerra para sempre.

Porém, não há saída militar para a situação da Colômbia; se houvesse, já teria sido obtida, depois de bilhões de dólares investidos, milhões de refugiados em países vizinhos e matança indiscriminada de civis PELAS DUAS PARTES do conflito; a saída é política, assim como a saída no Iraque é política.

Há outro motivo para o Brasil olhar com desconfiança as atitudes do governo colombiano.

É inaceitável, especialmente do ponto-de-vista do Brasil, que algum vizinho faça a política da mão de gato, ou seja, se deixe usar pelos Estados Unidos ou qualquer outra potência para alterar o equilíbrio estratégico da América do Sul, que favorece o Brasil. Não interessa ao Brasil que um prestador de serviços de Washington, como Uribe, use a cobertura do combate ao narcotráfico para projetar poderio militar americano especialmente na Amazônia..

O caso Nicarágua-Colômbia é bastante específico. Os dois países têm uma disputa mediada pela Corte Internacional de Haia.

A Corte reconheceu a posse, pela Colômbia, do arquipélago de San Andres, no Caribe, que era reclamado pela Nicarágua, mas ainda não decidiu sobre a fronteira marítima e a jurisdição sobre alguns atóis. Segundo a Nicarágua, fragatas colombianas violam continuamente as regras fixadas provisoriamente pelo tribunal.

O valor de San Andres está no fato de que se trata de um paraíso caribenho com grande potencial para o turismo, especialmente por atrair europeus durante o inverno no hemisfério Norte para mergulho, pesca submarina e esportes aquáticos. Eu recomendo férias em San Andres, assim como recomendo Bogotá e a Colômbia: é um país maravilhoso.

A decisão de Daniel Ortega com certeza também tem um fundo político, já que ele é um dos principais clientes do beneplácito petrolífero de Hugo Chávez.

Chávez apóia um projeto através do qual petroleiros venezuelanos atracariam na costa da Nicarágua, no mar do Caribe, descarregando ali o produto. O petróleo da Venezuela é pesado, sulfuroso. Precisa de um refino custoso antes de chegar ao mercado. Qual é a barganha? A Venezuela constrói uma refinaria na Nicarágua. Em troca, a Nicarágua dá direito de passagem para o petróleo venezuelano.

Depois de refinado, ele seria embarcado em um terminal da costa nicaraguense no Pacífico. Com isso, petroleiros gigantes levando o produto exportado pela Venezuela não teriam mais que atravessar o canal do Panamá. O frete do transporte de petróleo da Venezuela para a Ásia teria grande queda.

Ou seja, em vez de dar a volta ao mundo ou pagar caro para passar pelo canal do Panamá, que está congestionado, o petróleo da Venezuela seria refinado na Nicarágua e dali seguiria para a costa Oeste dos Estados Unidos e os grandes mercados da Ásia, especialmente a China e a Índia.

Havia planos para a construção de um oleoduto ligando as regiões produtoras da Venezuela à costa do Equador, passando por território da Colômbia, o que também evitaria a passagem pelo canal do Panamá. Porém, depois do ataque colombiano o projeto certamente será engavetado.

Ao Brasil interessa paz na Colômbia para dar seguimento aos projetos de integração política, física e econômica: a criação da infraestrutura que permita ao fabricante de cocada da Bahia colocar o produto dele com um preço bom em Bogotá e Caracas. Só o isolamento diplomático de Uribe, num primeiro momento, pode levá-lo a cair na real e negociar com as FARC de boa fé. Não como um grupo terrorista, mas como um grupo guerrilheiro, assim como ele fez com as AUC, que também eram um grupo classificado de "terrorista" pelo governo americano. Se ele fez as pazes com as AUC, o que o impede de negociar com as FARC?


Texto do Luiz Carlos Azenha, no Vi o Mundo. Há um mapa .


Marcadores: , , , , , ,

2 Comments:

Blogger Regina Ramão said...

Oi, cara! Passando e conferindo os posts. Boa luta!

2:25 PM  
Blogger José Elesbán said...

Tá tri, Re.

4:04 AM  

Postar um comentário

<< Home