CPMF - 2
NO INÍCIO de 2008, o Brasil pode comemorar não apenas resultados bastante bons no campo econômico mas também o fortalecimento das instituições democráticas inscritas na Constituição de 1988.
A rejeição da continuidade da "provisória" CPMF pelo Senado e a naturalidade com que o Executivo a absorveu demonstram claramente que estamos num outro patamar institucional: a independência entre os Poderes começa a produzir os seus efeitos equilibradores. Do ponto de vista da construção de uma sociedade decente, o resultado, por mais perturbador que seja, transcende às conseqüências de uma redução imediata da receita sobre os programas do Executivo.
Estas serão certamente graves, mas a decisão do Legislativo é definitiva. Não há contestação possível. A CPMF morreu. Agora é refazer a peça orçamentária com a cooperação do Congresso para saber como se procederá ao ajuste.
Talvez a grande surpresa da oposição tenha sido a reação tranqüila do presidente. Dele ela esperava a manifestação do "furioso apetite de vingança", de que nos fala Montaigne, ou o "não importa que o Universo pereça, desde que eu me vingue", de Cyrano de Bergerac.
Para sua desilusão, Lula engoliu a amarga pílula e foi logo avisando o essencial: "Vamos cumprir o que determinou o Legislativo, mas protegeremos os gastos sociais e não violaremos o equilíbrio fiscal. O déficit nominal não será maior e o superávit primário não será menor do que os atuais". Era exatamente isso o que o público precisava ouvir no momento em que as coisas vão bem internamente, mas nuvens escuras se formam no horizonte externo. De acordo com os compromissos que precederam à aprovação da Desvinculação da Receita da União (a DRU), os dois Poderes sentarão à mesa para determinar como se fará o dramático ajuste orçamentário.
A grande questão que a oposição vai enfrentar -e que não será surpresa para ela, que foi governo durante uma década- é que não existe problema, por mais complicado que seja, que, quando analisado sob o ângulo correto, não fique ainda mais complicado... Isso, entretanto, não será desculpa.
Governo e oposição têm de chegar rapidamente a um acordo explícito e transparente sobre o que e quanto cortar. Uma conseqüência não esperada desse evento talvez seja o início da criação de um novo mecanismo de orçamentação que exija uma cooperação mais íntima e mais eficaz entre o Executivo e o Legislativo, principalmente no acerto prévio da estimativa da receita global.
O Executivo sempre a subestima, e o Legislativo sempre a superestima para os seus propósitos.
Coluna de Delfim Netto, na Folha de São Paulo (para assinantes), de 9 de janeiro de 2008.
Marcadores: Brasil, Congresso, CPMF, governo, oposição, política
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