domingo, janeiro 06, 2008

A Violência no Quênia

O Quênia é um dos países mais desenvolvidos da África mas a imprensa está errada ao afirmar que era conhecido por sua estabilidade. O país passou por três surtos de violência étnica nos últimos 15 anos, e o atual sequer é o pior. As raízes do conflito estão na corrupção e no mau gerenciamento do Estado por parte de políticos da etnia dominante, os kikuyu.

O atual presidente, Mwai Kibaki, foi eleito em 2002 em substituição a quase 25 anos de ditadura de Daniel arap Moi. A vitória de Kibaki despertou muitas esperanças nas instituições de cooperação internacional, que investiram bastante no Quênia. Meus amigos nas fundações partidárias alemãs me contaram que apostaram muito em seu projeto de conciliação e combate à corrupção, mas que logo se decepcionaram com os resultados.

Kibaki havia se aliado a Raila Odinga, da etnia luo, e falado na necessidade de superar os conflitos étnicos. A parceria entre os dois durou poucos anos e desde então se tornaram rivais. Odinga era o favorito para vencer a eleição presidencial de dezembro e fez sua campanha ressaltando que a corrupção dos kikuyu deixava os mais pobres em péssima situação. Quando Kibaki foi reeleito sob fortes suspeitas de fraude, a violência explodiu em mais de 300 mortos, principalmente por conflitos entre kikuyus e luos, mas envolvendo também outros grupos como kalenjin (muitos dos famosos velocistas quenianos são dessa etnia) e luhyas. O episódio mais chocante foi a queima de uma igreja na cidade de Eldoret, com mais de 50 pessoas assassinadas. Muitas cenas lembram os acontecimentos trágicos do genocídio em Ruanda, com milícias armadas de facões em busca de seus inimigos.

Há muita pressão internacional e dos líderes empresariais kikuyus para que o presidente Kibaki decrete um “governo de união nacional” e dê postos de importância a Odinga e seus aliados. Provavelmente será um arranjo precário, mas é a melhor alternativa existente no momento. Os desdobramentos externos da crise atingem a própria eleição presidencial nos Estados Unidos: o pai de Barack Obama era um queniano da etnia luo. O político americano prega a necessidade de conciliação.

No ano passado o Fórum Social Mundial aconteceu em Nairóbi, a capital do Quênia. Conversei com muitos ativistas brasileiros que foram para lá e todos, em especial os negros, ficaram desapontados com os ódios existentes entre as diversas etnias. O racismo não ocorre só entre pessoas de diferentes cores de pele, a estupidez humana é bem mais abrangente.

Muitas pessoas pensarão no Quênia como mais um exemplo de conflito étnico “tipicamente africano”, mas não é bem assim. Uma enorme quantidade de Estados reúnem pessoas de etnias diferentes e o convívio entre elas está longe de ser pacífico. Isso ocorre em países tão distintos entre si quanto Bolívia, Bélgica, Rússia e Sérvia, para citar apenas alguns.

Os Estados africanos têm demonstrado notável capacidade de sobreviver às artificiais fronteiras oriundas da partilha colonial, mas é claro que a presença de grupos étnicos espalhados por vários países cria um elemento de instabilidade no cenário de recursos escassos e crises políticas. Na hora do desespero, as pessoas se voltam para seus parentes. Se você é um tutsi, por exemplo, pode ter primos em Ruanda, Burundi, Uganda. Isso faz com que conflitos étnicos que comecem em um país se alastrem com rapidez, na medida em que há fugas, migrações em massa e pedidos de socorro. O caso mais trágico atualmente é a guerra civil na República Democrática do Congo, que envolve diversos Estados vizinhos. O risco também está presente no Quênia: há relatos de tropas de Uganda intervindo no país.

Texto do blog Todos os Fogos o Fogo.

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2 Comments:

Blogger Luma Rosa said...

Zé, para que o meu comentário não fique longo, vou me ater a primeira frase.

O Quênia era sim conhecido por sua estabilidade econômica. Era, é a palavra certa. E foi na época do governo de Jomo Kenyatta, entre 1964 a 1978. Reeleito por duas vezes, até hoje é considerado figura lendária em toda a África. Foi o primeiro presidente do Quênia após sua independência e só saiu do poder quando morreu aos 82 anos. Foi a fase mais próspera do país. A partir de 1980 deixou de ser destaque e atualmente fica em segundo lugar na economia africana, perdendo somente para o Sri Lanka.
Não tem estabilidade porque a corrupção corre solta. Mas é sim o pais mais desenvolvido da África Oriental e mantém excelentes relações comerciais com os EUA e Reino Unido. Cerca de 100 empresas norte-americanas operam no país, por isso toda essa intervenção americana nas questões políticas.

Feliz 2008! Beijus

1:02 AM  
Blogger José Elesbán said...

Puxa, Luma, quanta coisa! Tu acompanhas os acontecimentos na África?

11:57 PM  

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