Um Fundo Monetário Europeu?
Um Fundo Monetário Europeu?
Por que os europeus precisam criar um Fundo Monetário próprio, se já controlam amplamente o FMI? |
POSSO DAR um "teco" nos europeus outra vez? Quem gostava de falar assim era o embaixador Álvaro Alencar, brilhante diplomata e querido amigo, já morto. O Itamaraty, aliás, publicou em 2009 um belo livro em sua homenagem: "Álvaro Alencar: Um Diplomata na Luta Contra o Subdesenvolvimento" (Fundação Alexandre Gusmão).
Mas volto aos europeus. Não sei se devo dar mais um "teco". Vários europeus estão me caçando a pauladas, feito ratazana prenhe. Não gostaram nada de artigos que publiquei recentemente na Folha e em "O Globo". Onde já se viu um subdesenvolvido ousar escrever sobre o declínio, ainda que relativo, da Europa? Os velhos instintos imperiais deram arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues.
O leitor provavelmente não sabe, mas hoje já não é possível ter uma conversa reservada, só com brasileiros, no idioma pátrio. Logo aparece algum estrangeiro para dar palpites os mais variados (baseando-se, o que é pior, em traduções parcialmente incorretas e até incompletas).
Por isso, antes de entrar no assunto, aviso amigavelmente a algum europeu que esteja por acaso extraviado nesta coluna: estou falando com o leitor brasileiro, só com ele. Quando quiser falar com estrangeiros, vou escrever em inglês e tentar publicar em algum jornal ou revista no exterior.
Bem. Os europeus não param quietos. A cada semana, uma novidade. A última: querem agora criar um "Fundo Monetário Europeu".
O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, manifestou-se mais de uma vez sobre o tema e publicou artigo no "Financial Times", na sexta-feira passada.
O ministro atraiu muita atenção, uma vez que a Alemanha é a maior economia da zona do euro.
Todo esse debate começou com o que Schäuble chama de "desastre orçamentário da Grécia". Pela primeira vez, os países da zona do euro estão plenamente engajados no monitoramento da política econômica de um país membro da união monetária, observa o ministro.
Schäuble reconhece que esse tem sido o papel do FMI em muitas crises. Mas, para ele, assim como para muitos europeus influentes, que um país da zona do euro bata às portas do Fundo é um desfecho inaceitável, ou muito difícil de aceitar. Lorenzo Smaghi, integrante da diretoria do Banco Central Europeu, declarou que a Grécia ir ao Fundo significaria colocar o euro sob administração de um "comissário externo".
Que ironia! Quando nós, subdesenvolvidos, manifestávamos esse tipo de relutância, os europeus e outros nos criticavam severamente por falta de compromisso com as entidades multilaterais e resistência irracional ao FMI.
Segundo Schäuble, os membros do euro deveriam ter acesso a ajuda de emergência proporcionada por um "Fundo Monetário Europeu", "o que evitaria que eles tivessem de recorrer ao FMI no futuro".
Não há consenso na Europa, nem mesmo na Alemanha, a respeito da proposta. A chanceler alemã, Angela Merkel, apoia a proposta, que ainda precisa ser detalhada.
O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, disse que ela merece ser examinada.
Porém um aspecto parece incompreensível: por que os europeus precisariam criar um Fundo Monetário próprio, se já controlam amplamente o FMI aqui em Washington, onde estão escandalosamente sobrerrepresentados?
Texto de Paulo Nogueira Batista Jr. , na Folha de São Paulo, de 18 de março de 2010. Os destaques são deste blogueiro.
Marcadores: economia, economia mundial, Europa, FMI
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