Ainda sobre bancos estatais e privados
A prova do pudim dos bancos
A QUEDA do lucro da Caixa Econômica Federal suscitou ironias da torcida mercadista, assim como o anúncio dos resultados do Banco do Brasil levantara poeira na facção estatista do debate futebolístico sobre o crédito. A rentabilidade da CEF caiu?
Caiu. Mas está na faixa média, maior ainda que a da maioria dos bancos médios e maiores. A inadimplência é, como a do Banco do Brasil, menor que a de bancos privados. Mas, como as carteiras de empréstimos são diferentes, fica difícil comparar médias. Coisa não muito diferente pode se dizer a respeito das médias de "spreads" divulgadas pelos bancos.
Os índices de eficiência estão sujeitos também à mesma crítica etc. etc. Isto não quer dizer que não seja possível comparar resultados. Mas um trimestre ou semestre apenas é pouco para se chegar a uma conclusão, ainda mais quando se trata de meses de crise. A prova do pudim será, como sempre, comê-lo. De quanto será o lucro no final do ano? Qual a relação entre expansão da carteira de crédito e o resultado? Quanto das provisões (reservas para cobrir perdas) irá de fato para o buraco, quanto será revertido? Quanto da fatia de mercado "comprada" pelos bancos públicos voltará à banca privada?
Mesmo que a divisão do bolo do crédito bancário volte ao que era antes do estouro da crise, alguma coisa pode ter mudado, para inverter a enfadonhamente repetida frase do superestimado Lampedusa. O que mudou? 1) Talvez se comprove que a banca estatal pode oferecer "uma rede de proteção financeira" à banca privada durante crises; 2) Executivos da banca privada atribuem boa parte da queda de lucro e de rentabilidade ao aumento da competição e à queda dos juros básicos.
Desde outubro, os bancos estatais foram responsáveis por 83% do aumento do estoque de crédito. Caso a política dos estatais fosse a mesma dos bancos privados, teria havido mais recessão, mais falências, mais desemprego. Mais calotes. O balanço dos bancos privados teria sido pior. Ou seja, não é possível avaliar o resultado privado sem levar em conta a "rede de proteção financeira" da banca estatal, que ajudou a evitar queda maior no PIB e mais calotes.
É possível argumentar que os estatais ofereceram crédito de modo "insustentável". Isto é, o ganho de parte do mercado teria sido artificial no pior sentido: a agressividade estatal em breve redundaria em perdas que anulariam o efeito provisória e ilusoriamente positivo da manutenção do crescimento do crédito no semestre recessivo. É preciso ser um fundamentalista fanático para acreditar nisso.
De qualquer modo, os dados ainda não estão disponíveis. A prova do pudim virá em novembro, no mais tardar fevereiro. Então será possível saber também se os bancos estatais podem ser um fator permanente de aumento da competição (mesmo que menos intensa que nos meses de crise). Vai se saber ainda se era possível baixar juros e taxas sem prejudicar a saúde financeira de um banco. Como o teriam feito os estatais.
Alguma coisa terá acontecido no coração do mercado bancário brasileiro se, no fim do ano, a "rede de proteção financeira" estatal não mostrar rasgos. Ou caso o esforço competitivo dos bancos estatais não lhes cause um infarto financeiro.
Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 18 de agosto de 2009.
Marcadores: bancos, Brasil, estatização, mercado, privatização, sistema bancário
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