quinta-feira, março 19, 2009

Da Der Spiegel - "Invasões Bárbaras"

Europa vira as costas para a mão-de-obra imigrante


Por Renate Flottau, Thomas Hüetlin, Jan Puhl e Helene Zuber

Com o aumento do desemprego, muitos países da União Europeia querem que os trabalhadores imigrantes que antes atraíam voltem para suas casas o mais rápido possível. Eles não estão poupando despesas ou esforços para encorajá-los a partir.

Chultem Choijusuren estava assistindo televisão em Ulan Bator quando decidiu embarcar no trem da globalização. Segundo uma propaganda que ele viu, empresas na República Tcheca estavam pagando "€ 1.000 por mês" para jovens mecânicos. A maioria das pessoas nas estepes da Mongólia já estavam familiarizadas com o pequeno país do Leste Europeu. Afinal, muitos jovens daqui estudaram em Praga durante o passado socialista dos dois países.

Choijusuren tomou um empréstimo equivalente a € 3 mil junto aos bancos locais. Parte do dinheiro era para pagar a taxa de € 1.500 que a agência de empregos mongol cobrava para lhe garantir um emprego. Ele também precisava de dinheiro para começar a vida no exterior, e a passagem apenas de ida de trem da capital mongol, Ulan Bator, para Praga, via Moscou, custa € 700. Sua esposa e filha de oito anos acenaram em despedida enquanto o trem partia da estação.

O mongol planejava permanecer na Europa por talvez meio ano, economizar alguns poucos milhares de euros e voltar para casa para abrir sua própria oficina mecânica de automóveis.

Choijusuren faz parte de um exército de imigrantes que se deslocaram para o Ocidente, vindos nos últimos anos de países em desenvolvimento, com um entre três escolhendo a Europa como seu destino. Após a expansão da União Europeia para o leste em 2004, dezenas de milhares de asiáticos encontraram emprego em fábricas polonesas, tchecas e eslovacas, onde eram recebidos de braços abertos, pois um milhão de poloneses e centenas de milhares de tchecos, bálticos, eslovacos e húngaros as deixaram para trás quando migraram para os países mais ricos da UE. Irlanda, Reino Unido e Suécia, diferente da Alemanha e da Áustria, abriram imediatamente suas fronteiras para os cidadãos dos novos países membros, e a Espanha fez o mesmo dois anos depois.

Construtoras e restaurantes nestes países ficaram felizes em empregar mão-de-obra barata do Leste. Mais e mais famílias contratavam mulheres polonesas para limpar suas casas ou babás com sotaque eslavo para colocar seus filhos na cama. Os salários dos migrantes eram modestos, mas em alguns casos até três vezes mais do que ganhavam em casa. Os recém-chegados enviavam o máximo possível do que ganhavam para casa, injetando capital que ajudava suas cidades natais a obterem uma prosperidade sem precedente.

Assim que a crise econômica global estourou, esses dias acabaram. O desemprego subiu duas vezes mais rápido no Reino Unido e na Espanha do que em qualquer outro lugar na Europa. Agora os cidadãos dos países da Europa Ocidental precisam eles mesmos dos empregos, de forma que seus governos estão recorrendo a todo tipo de truque e incentivo para se livrarem daqueles que antes precisavam tanto.

A globalização transformou 200 milhões de pessoas em trabalhadores imigrantes nas últimas décadas. Um quinto dessas pessoas são europeias, menos de um décimo são africanas e 3% são da América Latina. Agora a tendência está revertendo, uma mudança que geralmente afeta aqueles que vêm das regiões mais pobres da Europa e de países em desenvolvimento e emergentes. Representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU temem que 30 milhões de pessoas de todo o mundo poderão perder seu ganha-pão até o final do ano.

Não mais uma terra prometida
Há uma tentação considerável de lidar com a crise com a adoção de medidas protecionistas. Em muitos lugares, os trabalhadores convidados agora são vistos apenas como concorrentes. No Reino Unido, os membros do sindicato trabalhista doméstico impediram mecânicos que trabalhavam para uma empresa siciliana de reformarem uma refinaria de petróleo. Os operários britânicos também protestaram contra o uso de trabalhadores espanhóis e poloneses na construção de uma usina de força em Nottinghamshire. Em Londres, o ministro das Fronteiras e Imigração anunciou que restrições seriam necessárias para "proteger os empregos britânicos".

"O Reino Unido era a terra prometida para mim", diz Andrzej Wlezinski, um polonês, "mas agora acabou". O encanador de 40 anos planeja voltar para Lodz, uma cidade na região central da Polônia, no final de março. Ele veio para Londres, ele diz, imediatamente após a expansão da UE para o leste. Os britânicos, que toleraram por décadas o trabalho ruim dos caros trabalhadores especializados locais, receberam Wlezinski e outros como eles com abundância de trabalho e bons salários. E então o ministro do Interior, Charles Clarke, chamou homens como Wlezinski de "as joias de nossa nação".

Mas agora isso é história. Desde o final do ano passado, Wlezinski tem procurado constantemente na Internet por empregos temporários. Ele costumava ganhar 90 libras (€ 114) por dia, mas agora ele se considera com sorte quando ganha a metade -se puder encontrar trabalho, é claro. Mas ele precisa ganhar 200 libras por semana para pagar o aluguel do pequeno quarto escuro onde mora, as passagens de metrô e alguns poucos hambúrgueres. Lodz, ele diz, é uma cidade mais barata e com "menos estresse". Se voltar para casa agora, após cinco anos na Inglaterra, ele não levará quase nada de valor em suas duas malas. Economizar dinheiro não era uma opção.

Em outras partes da Europa, os imigrantes dispostos a voltar para seus países de origem podem se inscrever para receber uma assistência substancial. Organizações de ajuda espanholas, por exemplo, pagam os custos de viagem e oferecem € 450 em dinheiro para despesas. O país está especialmente ávido por se separar da forma mais tranquila possível de seus mais de 700 mil romenos, o maior grupo de imigrantes registrados no país.

O governo em Madri até mesmo deu um passo além, ao anunciar seu "Programa de Retorno Voluntário" em propagandas nos trens do metrô e nos ônibus. José Luis Rodríguez Zapatero, o primeiro-ministro socialista, espera que o programa ajude a mandar embora 100 mil dos 2,8 milhões de não-europeus que vivem legalmente na Espanha.

Em dezembro passado, 240 mil deles já tinham requisitado os benefícios do seguro-desemprego, e o número provavelmente aumentou de lá para cá. Se os trabalhadores imigrantes concordarem em não voltar à Espanha por três anos, é devolvida a eles suas contribuições para o sistema do seguro-desemprego: 40% adiantados e o restante assim que voltarem para seus países de origem.

Entretanto, a oferta não fez muito sucesso até o momento, com apenas 2 mil estrangeiros se inscrevendo nos primeiros três meses. A maioria deles era equatoriana, que, depois dos marroquinos, é o maior grupo de imigrantes não-europeus.

Aqueles que trabalharam legalmente na Espanha por um período prolongado não são autorizados a levar mais do que € 12 mil consigo na partida. Isso mal dá para abrir um pequeno comércio ou empresa de táxi em casa. Dora Aguirre, presidente da Rumiñahui, uma associação equatoriana em Madri e que dá conselhos aos seus compatriotas, disse: "Aqueles que estão partindo agora o fariam de qualquer forma. São pessoas em idade de aposentadoria".

Os homens que perderam o emprego no setor de construção nos últimos meses frequentemente não têm condição de partir. Eles trouxeram esposas e filhos para a Espanha e geralmente estão presos na armadilha do crédito. Eles compraram carros que agora ninguém quer, e alguns assumiram hipotecas em condomínios em conjunto com quatro ou cinco outras pessoas. Porque ninguém está disposto a assumir a parte deles, eles precisam continuar pagando. "A maioria acredita que este é um lugar melhor para enfrentar uma crise econômica do que na América Latina", diz Aguirre.

Nenhum país europeu atraiu mais trabalhadores convidados nos últimos anos do que a Espanha. Desde que Madri ingressou na UE em 1986, a economia desfrutou consistentemente de altas taxas de crescimento, e recentemente estava até mesmo acima da média dos países que adotaram o euro como moeda. Havia mais construção na Espanha do que em qualquer outro lugar, e havia muito o que fazer para os 5,3 milhões de estrangeiros do país, que agora correspondem a mais de 10% da população.

O aumento da xenofobia
Quando os socialistas chegaram ao poder em 2004, eles introduziram uma anistia, dando documentação a 700 mil não-europeus ilegais com emprego, para poderem recolher suas contribuições ao sistema do seguro social. Além disso, as empresas espanholas recrutaram trabalhadores na Colômbia, Equador, México, Mauritânia, Polônia, Bulgária como trabalhadores rurais, para trabalhar em hotéis, restaurantes e no setor de construção.

Agora o mercado de trabalho não pode mais absorver imigrantes adicionais, diz o ministro do Trabalho, Celestino Corbacho. Dezenas de milhares de cidadãos espanhóis agora estão se candidatando a empregos sazonais para colheita de azeitonas e morangos nos vilarejos da Andaluzia, tirando assim o emprego dos trabalhadores estrangeiros. Isso inevitavelmente envenenou o clima para os trabalhadores imigrantes.

Na região de Madri, governada pelo conservador Partido Popular da Espanha, a força policial foi instruída a reprimir os estrangeiros durante verificações de identidade e prender um número predeterminado de estrangeiros sem residência ou visto de trabalho a cada semana. A xenofobia também está crescendo na França, onde o presidente Nicolas Sarkozy, durante sua campanha eleitoral em 2007, já tinha elevado a "luta contra a fraude fiscal e social" ao status de responsabilidade nacional. A cota de deportação aumentou consideravelmente desde então.

O sentimento agora passou a ser de xenofobia franca na Itália, que, assim como a Espanha, apenas se tornou um país para imigração na última década. Os imigrantes ilegais não podem "ser tratados de forma branda", disse o ministro do Interior, Roberto Maroni, e o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi apresentou prontamente uma nova lei de segurança. Ela pede uma taxa para os vistos de residência e comprovação de renda mínima. Segundo a lei, os sem-teto terão suas impressões digitais colhidas, médicos são obrigados a informar pacientes sem documentação e patrulhas de cidadãos são autorizadas a prender imigrantes ilegais. Qualquer um que estiver trabalhando no país ilegalmente será deportado e aqueles que se recusarem a partir podem ficar na prisão por até quatro anos.

A UE há muito tinha planos de regulamentar uniformemente a imigração. Mas diante da crise econômica, alguns governos estão à procura de uma saída pelos fundos. Eles querem adiar as novas regras que permitiriam aos trabalhadores romenos e búlgaros livre acesso a todo o mercado de trabalho da Europa Ocidental neste ano, e 11 países da UE querem manter as restrições existentes. Isto, por sua vez, agrava a situação dos países mais pobres da UE. As autoridades em Bucareste, por exemplo, esperam ver o retorno de pelo menos metade dos cerca de três milhões de romenos que trabalham no exterior.

Aneliya, 38 anos, e seu marido, Georgiy, 40 anos, já voltaram de Manta Rota, um ensolarado destino de férias na região de Algarve, no sul de Portugal, para Dolno Ossenovo, no sudoeste da Bulgária. A construtora onde o búlgaro trabalhou por oito anos notificou os trabalhadores que esperava uma redução do número de contratos. Em casa, em seu vilarejo nas Montanhas Rila, Aneliya planeja colher tabaco por € 150 por mês, desde que consiga arrumar trabalho. Seu salário terá que bastar para sustentar os dois filhos do casal, com 12 e 15 anos, e seu marido, é claro, até que ele consiga arrumar um novo emprego. O único problema é que 300 dos 1.500 moradores do vilarejo se mudaram para Portugal, e 200 agora estão de volta.

'Minhas dívidas estão crescendo'
A disputa pelos poucos empregos disponíveis será impiedosa. Um desastre está tomando forma no mercado de trabalho por toda a Bulgária. Os investidores estão mantendo distância. Apenas em dezembro, 15 mil trabalhadores foram demitidos, principalmente na indústria de metais, mineração e no setor têxtil. O governo espera arrumar emprego em projetos de construção para os trabalhadores desempregados que agora estão voltando para casa.

Chultem Choijusuren, o mecânico mongol, também está fazendo as malas. Não há dúvida de que quando ele chegou à Europa, ele já tinha perdido o barco. Choijusuren agora está sentado no escritório sem aquecimento da Sociedade Tcheca-Mongol em Plzen, um dos 13 mil mongóis no país. Um quadro na parede atrás dele retrata Genghis Khan, e apenas a poucos metros de distância se encontra um retrato do ex-presidente tcheco, Václav Havel. Ele nunca conseguiu encontrar um emprego, ele diz, "mas minhas dívidas crescem a cada dia".

Quando Choijusuren desceu do trem em Praga, após uma viagem que durou uma semana, ele foi recebido pelo contato mongol, mas com a notícia de que "não há mais trabalho na República Tcheca". Ele encontrou um lugar para ficar com outros mongóis, racionou suas economias e saiu por conta própria à procura do emprego de € 1.000 que esperava. Mas seus esforços foram em vão. "Não há nada mais para mim aqui", ele diz.

O governo tcheco pagará sua passagem de volta. Ele prevê que haverá mais de 30 mil estrangeiros desempregados no país nos próximos meses. As autoridades tchecas estão profundamente preocupadas com a possibilidade de que alguns dos trabalhadores imigrantes vietnamitas, chineses e mongóis possam se voltar para o crime.

Praga prefere se livrar destas vítimas da globalização antes que isso aconteça.

Tradução: George El Khouri Andolfato

O texto é da revista Der Spiegel, publicado no UOL.


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