O FMI na crise
O FMI na crise
O LEITOR vai me perdoar se o artigo sair meio pesado hoje. Estou realmente exaurido depois de dois meses de crise intensa aqui no FMI. Nunca emprestei tanto dinheiro na minha vida (espero que paguem). O meu complexo de brasileiro, devedor, subdesenvolvido e às vezes inadimplente deu os célebres "arrancos triunfais de cachorro atropelado" (Nelson Rodrigues).
Abro aqui um breve parêntese. Um leitor escreveu reclamando gentilmente da ausência de citações de escritores, de filósofos e, sobretudo, de Nelson Rodrigues. Prometi corrigir a falha e estou aqui cumprindo a promessa.
Fecho o parêntese e volto ao FMI. Neste mês de novembro, a diretoria do Fundo aprovou empréstimos de tipo "stand-by" no total de US$ 41,8 bilhões, com desembolsos concentrados no início dos programas. Nunca o Fundo emprestou tanto em tão pouco tempo. A Ucrânia recebeu US$ 16,4 bilhões, a Hungria, US$ 15,7 bilhões, o Paquistão, US$ 7,6 bilhões, e a Islândia, US$ 2,1 bilhões. Esse último caso é extraordinário: o setor bancário islandês detinha ativos equivalentes a quase 900% do PIB no final de 2007! A turma da bufunfa barbarizou -e levou o país à ruína.
É notável que, nessa nova leva, os primeiros clientes do FMI tenham vindo, em sua maioria, da periferia européia. Trata-se de uma região que apresenta vulnerabilidades evidentes: déficits elevados no balanço de pagamentos em conta corrente, forte dependência de crédito externo, reservas internacionais modestas, sistemas financeiros frágeis, entre outros problemas. A Islândia é a primeira economia desenvolvida da Europa a recorrer ao Fundo desde a década de 1970.
Esses empréstimos são apenas o começo, tudo indica. Há uma série de outros países iniciando contatos e buscando o apoio financeiro do Fundo. Como se sabe, o FMI vinha emprestando muito pouco nos últimos anos. Os países fugiam do Fundo como o diabo da cruz. Sem os juros pagos pelos devedores, o dinheiro começou a ficar curto e, no início deste ano, o Fundo teve que provar do próprio remédio, implementando um programa de ajustamento, com cortes de gastos e demissões.
Agora os demitidos talvez façam falta. Com a intensificação da crise desde setembro último, o Fundo voltou a ser procurado, ainda que com grande relutância. Regra geral, os países só se dispõem a aparecer aqui em último caso, quando as alternativas se esgotaram.
A direção do Fundo está consciente do "estigma" associado aos empréstimos da instituição e tem procurado enfrentar o problema. Acionou o mecanismo de emergência, que permite aprovar empréstimos em tempo muito curto. As condicionalidades dos novos empréstimos são mais focadas, voltadas sobretudo para a solução dos desequilíbrios de balanço de pagamentos e outros problemas macroeconômicos de curto prazo.
Há cerca de um mês, a diretoria aprovou uma nova linha de financiamento -a SLF ("short-term liquidity facility"), ainda não utilizada, que permite emprestar até 500% da quota do país por prazos curtos, mas sem as condicionalidades tradicionais (carta de intenções, critérios de desempenho e monitoramento). Essa nova linha só poderá ser acionada por países que tenham políticas econômicas basicamente sólidas, mas que estejam sofrendo problemas de liquidez provocados por choques na conta de capitais, o chamado contágio externo.
O dinossauro continua se movendo.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
Texto publicado na Folha de São Paulo, de 27 de novembro de 2008.
Marcadores: capitalismo, crise econômica, economia mundial, FMI
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