quarta-feira, agosto 27, 2008

Venezuela: A revolução improvisada

Revolução improvisada

A VENEZUELA foi adotada pelos órfãos do anticomunismo como a grande ameaça à estabilidade do continente. Os arroubos de Hugo Chávez, despachando tropas contra a Colômbia ou ameaçando intervir na Bolívia, alimentam a histeria. Mas, quando se deixa sua retórica de lado para examinar a gestão, surge um país mais próximo de um Estado falido do que de uma potência regional.
Em nove anos de Chávez, sobram exemplos de improvisação, aparelhamento e corrupção. Correios, emissão de documentos, hospitais, geração de estatísticas, controle das fronteiras -quase todo serviço público básico peca pela ineficiência extrema, às vezes maquiada pelos petrodólares. O descontrole mais visível talvez seja no campo econômico, onde o hiperestatismo não pára de crescer. Há tempos a Venezuela vem registrando a inflação mais alta das Américas, com um acumulado de 33,7% nos últimos 12 meses.
Como em outros países, o índice é puxado pelos alimentos. Mas, ao importar 80% do que come, a Venezuela é especialmente vulnerável aos preços internacionais e ao desabastecimento.
Um dos produtos que mais têm faltado é o açúcar. Como solução, Chávez ordenou a construção de uma usina e incentivou a cana. O resultado: mergulhada num escândalo de corrupção, a fábrica nunca ficou pronta, e dezenas de milhares de hectares de cultivo foram jogados fora desde o ano passado.
Nem o petróleo vai bem. A PDVSA aumentou sua dívida de US$ 3 bilhões para quase US$ 20 bilhões em dois anos, mas a produção vem caindo, segundo a Opep. E isso em meio a recordes do preço do barril. A administração é tão ruim que o ministro Rodolfo Sanz (Indústrias Básicas) aconselhou há pouco os trabalhadores da siderúrgica recém-nacionalizada Sidor a não imitar a PDVSA.
Outra área crítica é o sistema carcerário. Se, como diz Nelson Mandela, a melhor forma de avaliar um governo é ver como trata os presos, Chávez está reprovado. Somente no ano passado, 498 dos mais de 21 mil presos perderam a vida no país -quase todos com arma de fogo-, uma média de 23,4 mortos por cada mil detidos.
(No Brasil, a média foi de cerca de 0,7 por mil no mesmo período.) É o sistema carcerário mais violento da América Latina, segundo o Observatório Venezuelano de Prisões. O descontrole beira o surrealismo. Recentemente, descobriu-se que um estuprador condenado da Penitenciária Geral da Venezuela abusou sexualmente de cinco mulheres, entre as quais uma psiquiatra, ajudado por funcionários. As recentes nacionalizações só farão inchar um Estado já altamente incapaz. E este é o grande paradoxo venezuelano: quanto mais Chávez concentra poder, mais o país escorrega de suas mãos.

Texto de Fabiano Maisonnave, na Folha de São Paulo, de 24 de agosto de 2008.

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