quinta-feira, julho 24, 2008

Bogotá usou nome da Cruz Vermelha falsamente

Bogotá usou nome da Cruz Vermelha

Uribe admite utilização indevida de símbolo da organização em resgate de Ingrid Betancourt, o que viola lei internacional

Em libertação de 15 reféns, militar colombiano usou logo por "nervosismo", disse o presidente, que assumiu o erro do oficial antes negado

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, admitiu ontem que um símbolo da Cruz Vermelha Internacional foi usado na operação militar que libertou das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Ingrid Betancourt e mais 14 reféns no último dia 2.
O governo reagia à reportagem da rede de TV CNN, que relata imagens da operação obtidas com uma fonte militar nas quais ao menos um militar usava o emblema da organização humanitária, cujo trabalho depende do status neutro em conflitos. O uso indevido do símbolo infringe legislação internacional reconhecida por Bogotá.
Após anunciar investigação do tema, Uribe discursou "ao mundo" que, "equivocadamente e contrariando as ordens dadas", um militar sacou o emblema da Cruz Vermelha que levava e pôs na roupa por "nervosismo", já no helicóptero do resgate, ao ver a os guerrilheiros.
Segundo a CNN, o militar enverga o símbolo em foto anterior à decolagem para o resgate. A rede de TV disse não ter como comprovar a veracidade das imagens porque não aceitou pagar pelo material (vídeo e fotos) o preço pedido pela fonte.
Uribe pediu "perdão" à Cruz Vermelha e disse que o militar não será punido porque "contou a verdade": "Como comandante das Forças Armadas, assumo a responsabilidade".
A Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia divulgou comunicado no qual diz ter "tomado nota" da fala de Uribe e lembra que o uso de seu símbolo está na "especificamente regulamentado pelos convênios de Genebra e seus protocolos adicionais", que regem situações de conflito armado. "O emblema tem de ser respeitado em todas as circunstâncias", escrevem.
Uribe havia demonstrado preocupação com a questão do uso indevido de símbolos desde o dia do resgate. Naquela noite, em cadeia nacional de TV, insistia em perguntar a militares e libertados se os militares haviam usado algum "símbolo". Todos negaram.
Em vídeo divulgado, a edição só permite ver uma parte da insígnia do CICV. Não há imagens do helicóptero, mas, segundo a CNN, ao contrário do que disse, o governo colou no aparelho emblema inspirado em uma ONG espanhola e usou dados dela em um site falso.

Versão em xeque
O uso do símbolo do CICV é o último e potencialmente mais grave da série de ajustes e revelações que a Colômbia vem fazendo sobre a ação, batizada de Operação Xeque, em resposta a reportagens da imprensa internacional e questionamentos de analistas independentes. O relato oficial da ação, "sem sangue e com total respeito aos direitos humanos", vinha sendo chancelado pela mídia local.
Bernardo Vela, professor colombiano de direito internacional humanitário, lembra que o uso de símbolo do CICV "para atacar ou causar dano" ao adversário é chamado de perfídia no Código Penal do país, punido com até oito anos de prisão.
Já a Convenção de Genebra e seus protocolos, adotados pela Colômbia, em vários artigos tipificam como crime a utilização do emblema para "matar, ferir ou capturar" adversários.
O procurador-geral da Colômbia, Mário Iguarán, afirmou que não houve crime porque "à norma nacional e internacional" porque não houve dano às Farc. Para ele, o país não sofrerá "castigo" por salvar sãos e salvos os reféns. Carlos Ríos, porta-voz do CICV na Colômbia, disse à Folha que a entidade descarta ação legal.
Parentes dos cerca de 700 seqüestrados ainda com as Farc dizem que, com a ação, o governo diminuiu a chance de êxito de futuras ações humanitárias. "O fato debilita a credibilidade internacional da Colômbia, mas não terá efeito interno. O fim é acabar com as Farc, não importam os meios. Mas para fins justos é preciso meios justos", diz Vela.

Texto da Folha de São Paulo, de 17 de julho de 2008.


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