"Alô! Presidente"
Conheça o "Alô! Presidente", o programa de televisão de Chávez
Jean-Pierre Langellier
Primeiro, há o cenário. Uma austera escrivaninha de madeira, instalada, ao ar livre, na frente da câmera. Sobre o móvel, foram colocados um potinho repleto de lápis e de canetas esferográficas, um copo de água e uma xícara para café; além de fichas cobertas de anotações, mapas, dossiês, livros e de um volume da Constituição. Atrás, como pano de fundo, uma usina.
Em segundo lugar, há o público. Todas as pessoas presentes estão vestidas de vermelho. Elas foram escolhidas a dedo e estão devidamente identificadas com um crachá. Há algumas centenas de militantes; sentados, eles parecem ser disciplinados, e sempre prontos para aplaudir, em meio a um ambiente descontraído. Alguns operários exibem sobre a cabeça o seu capacete de trabalho. Várias mães de família merecedoras estão aparentemente encantadas por estarem ali. Todas as autoridades locais compareceram em peso; no caso, são aquelas do Estado de Falcon, no nordeste da Venezuela, além de um destacamento de militares de uniforme. Na primeira fileira estão um ou dois ministros, além de visitantes notáveis: o embaixador da China, aquele do "valente povo antiimperialista" do Irã, e ainda a embaixadora da Argentina, que traja uma japona militar.
Por fim, e, sobretudo, há o personagem central do espetáculo, sentado atrás da escrivaninha, ao mesmo tempo o ator e o encenador do seu próprio ego: Hugo Chávez, o presidente da República Bolivariana da Venezuela. Ele traja uma camisa por cima de uma camiseta, ambas vermelhas. Assim como Fidel Castro, o seu modelo, Chávez é um comunicador brilhante, um orador incansável. Ele mostra-se claro, pedagógico, caloroso, e não raro engraçado. Ele se expressa na linguagem simples e direta do povo.
São 11 horas, neste domingo, 8 de junho. O 312º episódio da novela política dominical, "Alô! Presidente" pode começar. Ele será transmitido ao vivo pela VTV, o canal público de televisão, totalmente devotado ao poder, e também nas ondas da Rádio Nacional.
Chávez aquece a platéia por meio de alguns comentários mordazes. Dirigindo-se aos Estados Unidos, ele dispara o bordão: "Yankees, go home! Gringos, nós somos livres!" Ou, numa reflexão endereçada a Fidel Castro, a quem ele envia "un abrazo profundo": "Fidel, how are you?" (Como vai você?). Então, ele faz referência a Che Guevara, "o gigante argentino". Em seguida, Chávez apresenta para a platéia as pessoas que contam. Este ritual revela ser bastante demorado. O microfone circula. Todas elas fazem questão de agradecer ao anfitrião.
Passamos agora à lição de história, ilustrada por um pequeno filme. O tema do dia: a vida e a obra do marechal Antonio José de Sucre (1795-1830), um tenente do "libertador" Simon Bolívar. O glorioso morto é gratificado por Chávez com a honra suprema: Sucre era um "socialista".
Retornamos agora à atualidade recente. Uma conexão por satélite com a cidade de Puerto Cabello permite que um oficial se dedique a explicar, com um mapa nas mãos, as manobras aeronavais que possibilitaram o lançamento, dois dias antes, dos primeiros mísseis a partir de um navio patrulheiro e de cinco aviões Sukhoi 30. Os pilotos haviam recebido ordens para "abrirem fogo à vontade, em nome da dignidade da Venezuela". Uma seqüência mostra a organização da defesa civil, posicionada nas praias em caso de ataque marítimo. Chega então o prato de resistência político, aquele que irá proporcionar as manchetes dos jornais no dia seguinte. Chávez pede à guerrilha colombiana para libertar todos os reféns e entregar as armas.
O programa passa a abordar as realizações concretas da "pátria socialista". O quadro se inicia com aquela usina de "pedra moída", de onde Chávez está falando, onde rochas são trituradas para serem transformadas em areia. O "batalhão" dos operários se levanta. Chávez se permite uma brincadeira irônica sobre George W. Bush, que ele gostaria muito de ver "passar no triturador". Ele pega então os seus marcadores, e, com a sua mão esquerda, tira traços, em primeiro plano nas imagens, reproduzindo os esquemas da produção, a qual, segundo ele, traz a promessa de um futuro grandioso. Este é o seu lado meio professor de curso primário, meio estrategista em campanha. Em seguida, ele passa para os exercícios práticos, montando durante alguns minutos numa bicicleta "Atômica", fruto recém nascido da cooperação com o Irã.
O programa "Alô! Presidente" não é apenas um exercício de comunicação, ou um instrumento do desejo reivindicado de "hegemonia" frente ao "terrorismo" dos veículos de comunicação de oposição. É um ato de governo por meio do qual Chávez anuncia importantes decisões: a mobilização das suas tropas na fronteira colombiana, no início de abril; a nacionalização de uma empresa; a expropriação de uma fazenda; a demissão de um ministro. É a partir deste palanque que ele interpela um determinado comentarista, ou tal outro caricaturista: "Então, quanto foi que você recebeu do império?", ou ainda certo ministro: "Até que eu gosto de você, mas se você não tiver um desempenho à altura, serei obrigado a substituí-lo".
Passando por cima das administrações, cuja ineficiência é proverbial, o que ele deplora, Chávez dirige diretamente ao povo a sua boa palavra, ilustrada com slogans, longe do palácio presidencial. A grande maioria desses programas é realizada em localidades da província, seja numa escola, num centro de produção agrícola, num parque nacional, num complexo petroquímico, numa academia militar, e até mesmo num sítio arqueológico pré-colombiano. E ainda, em certos casos, no exterior, como foi o caso quando a filmagem aconteceu na frente do mausoléu do Che, em Santa Clara, um local histórico da revolução cubana.
A segunda parte do programa é constituída por um diálogo entre o presidente e alguns ouvintes que o entrevistam a respeito de diversos problemas da vida cotidiana. A esta altura, Chávez já está tomando seu décimo cafezinho. A cada meia-hora, um membro da produção lhe traz uma xícara de guayoyo, um café leve e muito açucarado. Quando o show se encerra, Chávez declama uma última vez o slogan em voga: "A pátria, o socialismo ou a morte!", e convida a platéia para cantar alegremente, enquanto uma orquestra entra em cena.
Neste domingo, a maratona presidencial durou cerca de 6 horas. O recorde, que foi alcançado em 23 de setembro de 2007 - 8 horas e 8 minutos -, ainda está por ser batido.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Jean-Pierre Langellier
Primeiro, há o cenário. Uma austera escrivaninha de madeira, instalada, ao ar livre, na frente da câmera. Sobre o móvel, foram colocados um potinho repleto de lápis e de canetas esferográficas, um copo de água e uma xícara para café; além de fichas cobertas de anotações, mapas, dossiês, livros e de um volume da Constituição. Atrás, como pano de fundo, uma usina.
Em segundo lugar, há o público. Todas as pessoas presentes estão vestidas de vermelho. Elas foram escolhidas a dedo e estão devidamente identificadas com um crachá. Há algumas centenas de militantes; sentados, eles parecem ser disciplinados, e sempre prontos para aplaudir, em meio a um ambiente descontraído. Alguns operários exibem sobre a cabeça o seu capacete de trabalho. Várias mães de família merecedoras estão aparentemente encantadas por estarem ali. Todas as autoridades locais compareceram em peso; no caso, são aquelas do Estado de Falcon, no nordeste da Venezuela, além de um destacamento de militares de uniforme. Na primeira fileira estão um ou dois ministros, além de visitantes notáveis: o embaixador da China, aquele do "valente povo antiimperialista" do Irã, e ainda a embaixadora da Argentina, que traja uma japona militar.
Por fim, e, sobretudo, há o personagem central do espetáculo, sentado atrás da escrivaninha, ao mesmo tempo o ator e o encenador do seu próprio ego: Hugo Chávez, o presidente da República Bolivariana da Venezuela. Ele traja uma camisa por cima de uma camiseta, ambas vermelhas. Assim como Fidel Castro, o seu modelo, Chávez é um comunicador brilhante, um orador incansável. Ele mostra-se claro, pedagógico, caloroso, e não raro engraçado. Ele se expressa na linguagem simples e direta do povo.
São 11 horas, neste domingo, 8 de junho. O 312º episódio da novela política dominical, "Alô! Presidente" pode começar. Ele será transmitido ao vivo pela VTV, o canal público de televisão, totalmente devotado ao poder, e também nas ondas da Rádio Nacional.
Chávez aquece a platéia por meio de alguns comentários mordazes. Dirigindo-se aos Estados Unidos, ele dispara o bordão: "Yankees, go home! Gringos, nós somos livres!" Ou, numa reflexão endereçada a Fidel Castro, a quem ele envia "un abrazo profundo": "Fidel, how are you?" (Como vai você?). Então, ele faz referência a Che Guevara, "o gigante argentino". Em seguida, Chávez apresenta para a platéia as pessoas que contam. Este ritual revela ser bastante demorado. O microfone circula. Todas elas fazem questão de agradecer ao anfitrião.
Passamos agora à lição de história, ilustrada por um pequeno filme. O tema do dia: a vida e a obra do marechal Antonio José de Sucre (1795-1830), um tenente do "libertador" Simon Bolívar. O glorioso morto é gratificado por Chávez com a honra suprema: Sucre era um "socialista".
Retornamos agora à atualidade recente. Uma conexão por satélite com a cidade de Puerto Cabello permite que um oficial se dedique a explicar, com um mapa nas mãos, as manobras aeronavais que possibilitaram o lançamento, dois dias antes, dos primeiros mísseis a partir de um navio patrulheiro e de cinco aviões Sukhoi 30. Os pilotos haviam recebido ordens para "abrirem fogo à vontade, em nome da dignidade da Venezuela". Uma seqüência mostra a organização da defesa civil, posicionada nas praias em caso de ataque marítimo. Chega então o prato de resistência político, aquele que irá proporcionar as manchetes dos jornais no dia seguinte. Chávez pede à guerrilha colombiana para libertar todos os reféns e entregar as armas.
O programa passa a abordar as realizações concretas da "pátria socialista". O quadro se inicia com aquela usina de "pedra moída", de onde Chávez está falando, onde rochas são trituradas para serem transformadas em areia. O "batalhão" dos operários se levanta. Chávez se permite uma brincadeira irônica sobre George W. Bush, que ele gostaria muito de ver "passar no triturador". Ele pega então os seus marcadores, e, com a sua mão esquerda, tira traços, em primeiro plano nas imagens, reproduzindo os esquemas da produção, a qual, segundo ele, traz a promessa de um futuro grandioso. Este é o seu lado meio professor de curso primário, meio estrategista em campanha. Em seguida, ele passa para os exercícios práticos, montando durante alguns minutos numa bicicleta "Atômica", fruto recém nascido da cooperação com o Irã.
O programa "Alô! Presidente" não é apenas um exercício de comunicação, ou um instrumento do desejo reivindicado de "hegemonia" frente ao "terrorismo" dos veículos de comunicação de oposição. É um ato de governo por meio do qual Chávez anuncia importantes decisões: a mobilização das suas tropas na fronteira colombiana, no início de abril; a nacionalização de uma empresa; a expropriação de uma fazenda; a demissão de um ministro. É a partir deste palanque que ele interpela um determinado comentarista, ou tal outro caricaturista: "Então, quanto foi que você recebeu do império?", ou ainda certo ministro: "Até que eu gosto de você, mas se você não tiver um desempenho à altura, serei obrigado a substituí-lo".
Passando por cima das administrações, cuja ineficiência é proverbial, o que ele deplora, Chávez dirige diretamente ao povo a sua boa palavra, ilustrada com slogans, longe do palácio presidencial. A grande maioria desses programas é realizada em localidades da província, seja numa escola, num centro de produção agrícola, num parque nacional, num complexo petroquímico, numa academia militar, e até mesmo num sítio arqueológico pré-colombiano. E ainda, em certos casos, no exterior, como foi o caso quando a filmagem aconteceu na frente do mausoléu do Che, em Santa Clara, um local histórico da revolução cubana.
A segunda parte do programa é constituída por um diálogo entre o presidente e alguns ouvintes que o entrevistam a respeito de diversos problemas da vida cotidiana. A esta altura, Chávez já está tomando seu décimo cafezinho. A cada meia-hora, um membro da produção lhe traz uma xícara de guayoyo, um café leve e muito açucarado. Quando o show se encerra, Chávez declama uma última vez o slogan em voga: "A pátria, o socialismo ou a morte!", e convida a platéia para cantar alegremente, enquanto uma orquestra entra em cena.
Neste domingo, a maratona presidencial durou cerca de 6 horas. O recorde, que foi alcançado em 23 de setembro de 2007 - 8 horas e 8 minutos -, ainda está por ser batido.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Texto do Le Monde, publicado no UOL.
Marcadores: Chávez, Governo Chávez, Venezuela
2 Comments:
Esse é o ranço totalitário que ronda sempre a América Latina. Os latinos gostam de presidentes bufões e populistas. Isso faz parte, infelizmente, da nossa ignorância.Somos carentes de afeto, de credibilidade, de auto estima e quando pinta no pedaço um sujeito de camisa vermelha que aparenta dar atenção ao povo, ele é visto como um demiurgo, um semi-deus. E assim faz Chávez que fala 6 horas seguidas numa TV. E os carentes assistem e acreditam nele. E assim caminha a latino américa em direção ao lado errado.
Assim, é o Maia, cheio de certezas.
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