segunda-feira, maio 12, 2008

Panelaço Equivocado

"Panelaço" equivocado


A ELEVAÇÃO do imposto sobre exportações de soja na Argentina de 35% para 44% provocou protestos dos agricultores. A crise, entretanto, perdeu força na medida em que a presidente Cristina Kirchner mostrou firmeza e explicou a razão da "retenção". Não tenho detalhes da explicação dada pela presidente, mas ela provavelmente deve ter dito, primeiro, que a retenção é essencial para impedir que a taxa de câmbio volte a se apreciar; segundo, que essa taxa é a causa principal dos índices extraordinários de crescimento dos últimos cinco anos; e, terceiro, que, embora formalmente o seu pagamento seja feito pelos agricultores, na verdade eles nada pagam, pelo contrário, beneficiam-se.
Como é possível esta última frase? E como explicar que eu tenha ouvido Roberto Rodrigues, notável líder do agronegócio brasileiro, afirmar em uma conferência, depois de participar de um grande congresso de agricultores em Córdoba, que "os agricultores argentinos estavam cansados de ganhar dinheiro"? A explicação é simples: se não existisse a retenção, a taxa de câmbio já teria se depreciado, e a depreciação teria sido maior do que a retenção, de forma que os agricultores sem retenção estariam ganhando menos do que hoje ganham com ela.
A taxa de retenção sobre exportação existente na Argentina é o mecanismo por meio do qual o país desloca para cima a curva de oferta das commodities e assim impede que a taxa de câmbio se aprecie em razão da doença holandesa e das entradas excessivas de capitais. Essa taxa é variável de produto a produto e varia também conforme variam os preços internacionais, para garantir aos produtores, que são tão importantes para o país, uma taxa de lucro satisfatória que os estimule a investir e produzir. É uma taxa marginal. No Brasil, só se poderia pensar em uma retenção desse tipo depois de elevar a taxa de câmbio para um nível que viabilize as indústrias que usam tecnologia no estado da arte.
A economia argentina cresce a mais de 8% ao ano, e o peso se mantém há anos em um nível estável, em torno de 3,10 por dólar, graças principalmente a essa retenção. Se não fosse ela, já teria acontecido com o peso o que aconteceu com o real: depois de manter a paridade de cerca de R$ 3 por dólar durante 2003, apreciou-se e passou a causar desindustrialização (mal percebida porque o mercado interno compensou em parte a perda do externo). O país já voltou à condição de deficitário em conta corrente, e, além da gradual transformação em uma fazenda e uma mina, corre-se o risco de termos nova crise de balanço de pagamentos em dois ou três anos.
Os agricultores e pecuaristas argentinos pagam formalmente a taxa de retenção, mas esta nada lhes custa; se ela fosse eliminada, tornar-se-ia lucrativo para eles exportar a uma taxa de câmbio mais apreciada, e, em conseqüência da respectiva oferta, a taxa de câmbio baixaria até o nível dessa taxa hoje menos o valor da retenção. E, com isso, teríamos grande prejuízo para a indústria e nenhum benefício para os agricultores. Pelo contrário, eles também sairiam prejudicados porque ficariam sujeitos às variações da taxa de câmbio; além disso, caso caíssem os preços das suas commodities exportadas, o governo não teria recursos para estabelecer um fundo de estabilização dos seus preços que todo agricultor sabe ser muito necessário.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br


Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de São Paulo, de 7 de abril de 2008 (para assinantes).

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