terça-feira, dezembro 04, 2007

A espiral política do continente

Brasil e América Latina se desenvolvem em forma de espiral. Sempre dão uma volta acima da volta anterior, mas sempre percorrendo o mesmo ciclo e sem grandes saltos.

Os ciclos são conhecidos.

Democracia clássica disfuncional, com os chamados grupos de elite não conseguindo definir um projeto nacional.

  • Populismo, com emergência de novas classes sociais.
  • Regime autoritário.
  • Democracia clássica disfuncional
  • Populismo, com democracia disfuncional.

Todos esses passos, em geral, estimulados por fatores exógenos (crises e oportunidades internacionais) e por fatores endógenos que independem de políticas públicas (emergência de novas classes sociais). Em cada fase há riscos e oportunidades. Com exceção do período Varguista – que se estende até meados dos anos 70, quando é atropelado pela crise da OPEP.

Em geral, nossos governantes forem bem melhores do que os vizinhos ao longo do século. Nossos populistas, militares, neoliberais foram bem melhores do que os congêneres argentinos e latino-americanos em geral. Mas faltaram em quase todos os momentos (com exceção dos governos Vargas, JK e Castello) estadistas no sentido amplo, capazes de perceber as oportunidades do momento e dar o salto para sair da espiral.

Para entender o ciclo da República:

1. O pacto conservador do Império é erodido pela ascensão de uma nova classe média urbana e pela classe militar, o único aspecto do poder público profissionalizado no país.

2. O ciclo de financeirização mundial abre enormes possibilidades de desenvolvimento – muito bem aproveitadas pela Argentina. No Brasil, o ciclo abre espaço para a expansão dos interesses dos financistas. O país perde o bonde e, até os anos 20, fica perdido sem um projeto nacional capaz de dar substância a um novo regime. Há uma democracia formal que acomoda os interesses das classes dirigentes, mas nem é inclusiva nem desenvolvimentista.

3. Esse ciclo se esgota nos anos 20, quando, externamente, a crise do padrão ouro e a Primeira Guerra enfraquecem os vínculos do capital internacional. Internamente, há o aparecimento de uma classe urbana proletária.

4. Com a democracia formal viciada, sem potencial para assimilar as mudanças, começa o ciclo autoritário, com a Aliança Libertado Nacional e, posteriormente, o Estado Novo. No plano internacional, esse movimento é acelerado pela grande crise internacional pós-29. Internamente, pela expansão do proletariado. O Estado assume funções maiores.

5. Esse movimento se esgota em 1945, quando se volta à democracia formal, ainda disfuncional. Há uma tentativa de financeirização da economia, com Dutra, Vargas eleito, e uma crise política que se estende até 1964. Nesse período, há a ampliação do movimento sindical, ingressa-se em um populismo complicado, com Jango, que torna a democracia completamente disfuncional. O resultado é o esgotamento do ciclo democrático e a volta do período autoritário.

6. Segue-se o ciclo autoritário, com um período inicial de racionalidade, mais tarde, uma entropia gradativa, em que a falta de aparas ao poder absoluto leva a um superdimensionamento do tamanho do Estado. A crise internacional, com o choque do petróleo e o reinício do processo de financeirização mundial aceleram o final do modelo.

7. Segue-se a Nova República, os passos trôpegos iniciais, com Sarney e Collor, Itamar e FHC. Até que surge o Plano Real. E aí são cometidos os mesmos erros do início da República. O regime se curva aos interesses rentistas, as políticas de inclusão social são tímidas, não há um projeto de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há a ascensão das novas classes sociais, D e E. E a democracia vai se tornando disfuncional, pela incapacidade de se adaptar e incluir os novos atores.

8. É aí que se perde o grande bonde da história, pela falta de visão de FHC, por sua subordinação aos interesses imediatos. Ali, naquele grande pacto de 1994 estavam abertas as possibilidades de se romper com o ciclo da espiral. Lula percebe os novos agentes, mas também não dispõe do projeto de país.

9. Pelo andar da carruagem, há o risco efetivo de um novo ciclo populista, que já se observa em outros países da América Latina. A questão é que Lula não representa esse ciclo.Para sorte, não se vê nele pendores autoritários ou populistas. Ele e FHC pertencem ao mesmo modelo de transição, de uma evolução lentíssima e gradativíssima, subordinada aos interesses do mercado. Com todo seu espírito de acomodação, Lula não impediu uma imensa polarização política no país.

10. A fricção provocada pelo surgimento das novas classes, pela falta do projeto nacional, vai acabar explodindo em um ponto qualquer do futuro.



Texto do Luís Nassif.

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