terça-feira, novembro 06, 2007

Quem exporta ditadura colhe tempestade


Este é o símbolo do partido que defende a divisão da Bélgica, com o norte - onde se fala holandês - dando origem a um novo país, que incluiria Bruxelas. O meu maior prazer ao escrever neste site é de interagir com tantos leitores de qualidade. Primeiro o Hans Bintje me ensinou a recuperar o gramado do fundo de casa. Agora, a partir do vídeo do estudante que foi preso por fazer uma pergunta 'fora do script', na Universidade da Flórida, ele escreveu:

"O vídeo do estudante preso ao fazer perguntas "inconvenientes" para John Kerry me rendeu uma caixa de garrafas de champagne.
Foi uma aposta macabra, feita ainda na década de noventa, depois de uma palestra do professor Renato Janine Ribeiro a respeito do livro "O processo civilizador", escrito por Norbert Elias.

Esse livro tem dois volumes, mas basta ler o primeiro para se ter uma boa noção da teoria. Os críticos dizem que Elias é otimista em relação ao processo civilizador, mas quem ler o livro com atenção vai perceber que o autor também previu os refluxos.

Afinal, "O processo civilizador" foi escrito na década de 30 e o autor não estava alheio aos eventos que aconteciam, a origem da matança da Segunda Guerra Mundial. A leitura de "O processo civilizador" fica ainda mais interessante se for feita em conjunto com outro livro, "O coração das trevas", de Joseph Conrad. A adaptação feita para o cinema, transposta para a Guerra do Vietnã por Coppola em "Apocalypse Now", é uma coreografia sanguinária, mas Conrad foi ainda mais fundo, indo até a origem das "trevas".

E a origem das trevas não estava nas selvas do Congo - a ação no livro de Conrad se passa na África - mas no coração de Bruxelas, capital da civilizada Bélgica. A História é irônica: décadas mais tarde, essa cidade iria se transformar na sede da União Européia. Será que isso é uma mera coincidência?

De lá partiam as ordens para um sistema de exploração colonial tão cruel que chegou a chocar os próprios ingleses, eles mesmos donos de um império "onde o Sol nunca se punha". Contudo, afora a opulência material da Bruxelas contemporânea, quase nada no povo belga faz lembrar esse passado tão sombrio. O Congo serviu como uma "válvula de escape" para os malucos do país - tanto para quem dava as ordens em Bruxelas, quanto para quem procurava executá-las na África.

Fechada essa válvula e outras tantas que ainda permitiam um mínimo de coesão social na Bélgica, o país está prestes a se desintegrar. Os problemas não foram resolvidos, agravaram-se e chegou-se no ponto de ruptura.

Tomara que seja pacífica.

A aposta macabra foi que, a medida em que os países que constituem o chamado "quintal" dos EUA fossem se democratizando, a política interna daquela nação iria se tornar cada vez mais autoritária. Na época, ninguém acreditou nisso, mas eu tinha em mente os efeitos que a perda do "insignificante" Congo estava fazendo na "poderosa" Bélgica.

Os belgas ainda tiveram sorte de que os congoleses não imigraram em massa para o país, como aconteceu com os latino-americanos - em especial, os mexicanos - que foram para os EUA. Mas a insistência no "está tudo bem", mesmo quando os problemas estavam se agravando, é semelhante. Na Bélgica, se houver a ruptura, ela vai se dar de maneira mais ou menos turbulenta, como há séculos ocorre na região.

Nenhum problema de fato será solucionado, mas haverá a sensação de alívio pela "retirada do bode da sala". Nos EUA, dada a condição de superpotência, tudo será mais sério e mais grave. Sem condições de "exportar ditaduras" - e, portanto, de dar vazão ao autoritarismo que existe na classe dirigente - o próprio povo estadunidense começa a se tornar vítima da violência.


De início, as prisões serão montadas em lugares distantes - Guantanamo, por exemplo - a tortura será autorizada e, numa espiral de insanidade, estudantes do país serão presos por perguntarem aquilo que não devem questionar. Como a auto-crítica foi desautorizada, os problemas irão se agravar. E mais violência virá. A principal dificuldade nesse caso é a falta de um "Tancredo Neves" estadunidense que possibilite uma transição pacífica, dentro do sistema vigente, para um regime mais democrático.

Eu pensei que a elite que comanda o país já tivesse providenciado uma personagem semelhante, mas certamente John Kerry nem os outros canditados democratas e republicanos se prestam a esse papel. Mas eu "ganhei" a aposta macabra - haja álcool para afogar a tristeza!"


Meu comentário:

Apesar da autonomia política, tem aumentado a fricção entre Flandres, uma região historicamente ligada à Holanda, e a Bélgica "francesa", que aparece em cinza no mapa acima.

Caro Hans, eu estou para escrever um artigo com o título "A Revolução Será nos Estados Unidos". Republicanos e democratas falam a mesma coisa, as divergências são mínimas.

O sistema partidário do país já não dá conta de atender à demanda de tantos interesses represados. Ou aparece um Tancredo ou isso aqui vai explodir. Quanto à Bélgica, você mandou sua mensagem no dia 20 de setembro. Nesta sexta-feira, dia 21, está na capa do New York Times: "Belgas, sem rumo e divididos, sentem uma nação se apagando". O líder do Bloco Flemish, de extrema-direita, prega o separatismo. "Só temos em comum um rei, o chocolate e a cerveja", disse ele ao Times a respeito dos belgas que falam francês.



Texto do Vi o Mundo.

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