sexta-feira, outubro 26, 2007

Terceirização

Quem diz que nunca houve matança sistematizada de judeus, ciganos e incapazes na Alemanha tem razão: Auschwitz, Treblinka, Sobibor e os outros campos de extermínio nazistas ficavam na Polônia. A Polônia anexada pelo Reich era uma extensão do solo alemão e os campos eram construídos e geridos por alemães, mas isto é detalhe para quem pretende a inocência pelo distanciamento formal. Os americanos que hoje levam suspeitos de terrorismo para serem interrogados em países onde a tortura é comum, longe dos Estados Unidos, também pretendem a absolvição pela geografia.


Tem-se discutido muito no Congresso, na imprensa e nos tribunais americanos os limites do permitido na busca da informação antiterrorista depois do 11/9, mas os escrúpulos quanto à tortura chegam atrasados. Torturar pela mão dos outros é uma prática antiga dos Estados Unidos, mais notoriamente — no que nos diz respeito — nas atividades da "School of the Americas" onde policiais e militares latino-americanos iam aprender métodos de interrogatório e contra-insurgência para combater o comunismo no continente.


A Escola das Américas chegou a ser chamada ironicamente de anexo da Escola de Chicago, produzindo técnicos em repressão para garantir os teóricos do neoliberalismo que saíam do Departamento de Economia da universidade onde o Milton Friedman era a estrela, para nos catequizar. É bom lembrar, nestes tempos de entusiasmo das platéias pelo fascismo contra o crime e de reacionarismo ostensivo e festejado, no que deu tudo aquilo.


Coisas como a "Operação Bandeirantes", a aliança de empresários paulistas com policiais e militares na caça, literalmente, à esquerda, que deixou mortos e mutilados por toda parte — menos, aparentemente, na consciência dos responsáveis, ou, presumivelmente, no livro de realizações dos formandos da Escola das Américas. Que continua no mesmo lugar, Fort Benning, na Geórgia, agora com o nome mais específico de Instituto de Cooperação para a Segurança do Hemisfério Ocidental. Não se sabe se o currículo ainda é o mesmo.


Do Iraque chega a notícia de outro exemplo de distanciamento remissor.


Neste caso, uma novidade — a terceirização da guerra. A ocupação do país está sendo um grande negócio não só para a Halliburton e outras empreiteiras superfaturadoras mas para empresas paramilitares, exércitos privados que substituem a tropa normal em certas tarefas e que já têm quase tanta gente no Iraque quanto o exército regular, com contratos milionários.


Há dias uma dessas empresas, a Blackwater, que pertence a um conhecido financiador das campanhas do Bush e do Cheney, se viu envolvida na morte de civis iraquianos.


A Blackwater não está sujeita nem às leis do Iraque, nem às leis dos Estados Unidos e nem aos estatutos militares americanos. Só precisou pedir desculpas.

Texto de Luís Fernando Veríssimo, pescado no Leituras e Opiniões. Só um pequeno acréscimo, a Escolas das Américas, se não estou enganado, ficava na Zona do Canal, no Panamá. O Canal foi "cedido" aos Estados Unidos, que o administraram como seu território até 1999, também aí trabalhava a absolvição pela geografia, como magistralmente colocou o LFV. Coisa semelhante a Guantánamo, que os Estados Unidos também "alugam" junto a Cuba, por sinal outro exemplo de absolvição pela geografia.

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5 Comments:

Blogger Carlos Eduardo da Maia said...

Zé, ontem, finalmente, assisti o filme do Al Gore, uma verdade inconveniente. O filme é bem feito e muito bom. E ai fiquei pensando com meus botões. Se não tivesse ocorrido aqueles problemas nebulosos nas urnas da Flórida e Gore tivesse sido eleito presidente, o mundo hoje seria diferente? Talvez sim e talvez não. Mas, pelo menos, haveria espaço para mais conversa e a picaretagem como essa envolvendo as empresas amigas de Cheney não estaria tão presente.

4:04 PM  
Blogger José Elesbán said...

Que bom que gostaste.
Já ouvi gente falar mal do país, pela falta base científica dele. Algo como um drama emocional para chamar a atenção.

10:28 PM  
Blogger Letícia Losekann Coelho said...

oi qnto tempo...estou passando para te convidar para uma blogagem coletiva! Normalmente não gosto delas, mas essa é importante e foi proposta pela Luma, Luci e pelo Ronald!
beijos:)

2:51 AM  
Blogger Luma Rosa said...

Olha que surpresa! A Letícia falando da blogagem! É Zé Alfredo, estamos lutando pelo direito de extradição de uma brasileira que se encontra presa em Portugal. Ela foi acusada de matar o próprio filho e sofreu torturas na prisão. Moça de boa índole tratada como marginal.
A blogagem está programada para o dia 05. Se puder participar, será de grande ajuda! Vamos movimentar o espaço que temos para o bem. A mídia somos nós!

O LFV é um psicólogo social. Ele deixa os seus detratores desnudos, sem que se deem conta. Ele nos permite ter toda a visão da miséria moral e intelectual, de uma sociedade semi-analfabeta que não sabe interpretar um bom texto.

Boa semana! Beijus

9:00 PM  
Blogger José Elesbán said...

Obrigado pelas visitas.
Estaremos empenhados na luta pela Ana Virgínia.

12:42 AM  

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