terça-feira, outubro 09, 2007

Do Cuca Fundida: La Habana

Breve texto sobre Havana

Calor, muito calor. Um homem passa fumando um charuto dentro do aeroporto. O primeiro lugar que entramos é uma pequena cabine branca da imigração. Cara feia, fotos, anotações e muitas perguntas. Meu sobrenome parece estar com algum problema no sistema. È por parte de pai ou por parte de mãe? Mais anotações. Depois de uns 10 minutos finalmente vou para o raio x. Já havia encontrado imigrações resistentes, principalmente na Europa e Estados Unidos, mas nenhuma como aquela. Pela primeira vez fiquei nervosa. Na outra sala, uns 50 policiais fardados aguardavam os turistas. Depois da revista, as malas foram inspecionadas por cachorros. Finalmente, nos indicaram o portão da saída. Eu estava suando. Mais gente fumando charuto. No caminho do ônibus para o hotel, muitos hospitais. A área onde se situava a Universidade chegava a ter 10. Chamou a atenção também o número de centros esportivos, estádios e placas incentivando o esporte. Os carros, todos muito antigos e bem conservados, combinavam com a arquitetura que parecia ter congelado na década de 60. As cores das placas indicam a propriedade dos carros: azul, do governo; amarela, particular; verde, militar e preta das embaixadas. Nos outdoors nenhum produto, apenas frases exaltando a revolução, o governo, o poder do povo e as alianças com outros países, principalmente Venezuela. Atualmente, a cara sorridente de Chávez aparece mais nas ruas que a de Fidel. Entrando em um bairro mais nobre vemos mansões, que se transformaram em sedes de embaixadas ou centros culturais. Nenhuma casa particular. Passando pela Malecon, o calçadão a beira-mar, vemos centenas de pessoas apreciando o pôr-do-sol. Também de lá podemos ver o forte mais bem conservado do mundo, onde estão o famoso Paredón e os mísseis apontados para os Estados Unidos. Na cidade, os EUA possuem apenas um escritório de relações comerciais cercado por outdores comparando Bush a Hitler e falando de Pousada Carriles. Mais à frente, também lembrando Carriles, há uma praça de manifestações públicas com bandeiras negras em homenagem a cada uma das vítimas do avião do terrorista. Cansados, largamos as malas no hotel e saímos para caminhar na cidade. Em Havana Velha, na Praça da Catedral, pedimos uma cerveja. Fraca ou fuerte? Pergunta a moça. Em Cuba há dois tipos de cerveja: a Cristal e a Bucaneiro, esta, de maior graduação alcoólica. Fuerte! E comemos ao som da melhor música Cubana. O número grande de turistas surpreende. São em sua maioria Europeus. Poucos Brasileiros. Mais Argentinos. Os estadunidenses preferem as praias de Varadeiro e os grandes resorts all inclusive do que Havana. Dormimos exaustos. No outro dia, passeando pelo Museu da Revolucion, Gran Teatro de Havana, Floridita e algumas Praças, fizemos todo o roteiro turístico obrigatório. Passando é claro pelo Capitólio, que os cubanos costumam a afirmar ser um centímetro mais alto que o de Washington. Vimos duas feiras do livro, com obras em sua maioria de Fidel e Che. Saindo da fábrica de charutos encontramos Jorge, um cubano que nos apresentou o Bairro Chinês. É onde as prostitutas de Havana dividem espaço com restaurantes e danceterias. Lá , compramos alguns CDs e fomos até sua casa comprar charutos. O povo cubano ganha o equivalente a 10 dólares por mês, mais a cota de alimentação. Os médicos ganham 20. Todos se viram da maneira que podem, e se aproveitam do turismo para isso. Vendem de tudo. O turismo se tornou a grande renda em Cuba. A grande solução e o grande problema. Fomos entender isso quando conhecemos um casal: José e Ariela. O calor continuava insuportável. Caminhávamos mais pelas ruas quando José pediu um cigarro para Alexandre, meu namorado. Começamos a conversar. Ele estava com uma amiga, Ariela. Ambos operários. Começamos a perguntar coisas sobre o país e eles sugeriram que a gente fosse a um bar perto dali. Pediram que a gente caminhasse separado, pois poderiam ter problemas com a polícia. José brincou: “São 11 milhões de habitantes em Cuba. 9 milhões de policiais”. Chagando lá, ficaram mais a vontade e começaram a falar. José reclamou do tratamento diferente dispensado ao turistas. O povo não pode entrar nos mesmos lugares. O turista faz o papel da elite, que tudo pode e tudo tem, enquanto o povo sofre o bloqueio e a falta de alimento. Era dia 17 de agosto e a cota do mês já havia acabado. “Voltei hoje lá para conseguir alguma coisa e olha o que me deram”. Ariela tirou da bolsa uma lata de atum e dois caldos de carne. Tudo devidamente marcado na caderneta. Até um tonel de refrigerante que é distribuído na rua é marcado. Falaram com respeito do Comandante. Não chamam de Fidel, e sim Comandante. Outro exemplo para o povo é José Marti. Onde tu for, tem um monumento a José Marti. O casal disse que era obrigatório visitarmos a casa do pensador. Quando perguntei a eles sobre Educação, falaram com orgulho da escola integral. Eu expliquei que no Brasil não tinha, ela ficou chocada: “mas o que as crianças fazem no outro turno?”. Falou bem da saúde, mas disse que alguns remédios estão em falta na farmácia do governo. O que ela precisava tomar custava 8 dólares, quase o que ela ganhava por mês. Pediu algumas roupas para o filho, disse que não tem cota para isso e que a maioria do povo sobrevive com o que ganham dos turistas. A Internet também é restrita. José disse que ia em um centro de informática, mas só para consultar o e-mail. Me assustou ver o rigor da ditadura, o medo, a rigidez. Nunca havia visto algo assim. Não era nascida quando tinha ditadura no Brasil. Mas o povo cubano é um povo parecido com o brasileiro apesar de tudo: receptivos, alegres, criativos, porém muito mais politizados. Vi duas Havanas nesses três dias em que estive lá. A do turismo e a do povo. Vi ditadura e penso que ela não é boa nem de esquerda, nem de direita. Mas e aqui? Vivemos a ditadura do capital? Pensei na falta de liberdade. Mas penso na falta de liberdade que tem um morador pobre em um país capitalista, que também não pode entrar em certas lojas, nem pegar ônibus, nem viajar, nem muitas vezes comer. Vi a dificuldade de um povo sofrido. Mas também aqui vejo dificuldades, fome, educação e saúde precárias. Temos que pensar numa nova saída.

Este texto veio do Cuca Fundida.

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4 Comments:

Blogger Aline Leão said...

zé, valeu. Tô meio parada, assim me dá até ânimo de continuar o blog. Beijo.

12:14 PM  
Blogger Carlos Eduardo da Maia said...

Bom texto. No socialismo real de Cuba, controlado por uma elite política, tudo se eterniza na universalização da pobreza. No capitalismo real do Brasil existe a possibilidade das pessoas saírem do estado de pobreza. Cuba fornece apenas o mínimo: educação de dois turnos e razoável condição de saúde. Mas nada além do mínimo.

11:47 AM  
Blogger José Elesbán said...

Pois é. Infelizmente ainda não somos capazes de fornecer o mínimo aqui. Mas chegaremos lá.

11:54 PM  
Blogger José Elesbán said...

Ah, sim, Aline. Obrigado a você, por escrever.

11:56 PM  

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