MEU AMIGO ZÉ OU PORQUE CRER É MELHOR DO QUE PENSAR
Como disse certa vez sobre Sarney: acho injusto afirmar que nossos jornalistas não sabem escrever. Fala isso quem pode se sentar confortavelmente na cadeira para digitar. Ora, o principal mérito de nossos repórteres é, precisamente, redigir com as quatro patas no chão.
Para mim, as características básicas de nossa imprensa são a imparcialidade e a sapiência. Opiniões tão apartidárias quanto as de nossos redatores de notícias talvez só se encontrem entre os sunitas do Iraque ou os xiitas da Gaviões da Fiel. Por outro lado, muitas vezes, diante das críticas dos jornais às inumeráveis baldices ditas por Lula, por exemplo, chego à conclusão de que o presidente é poliglota e, ao término do mandato, poderá arrumar facilmente trabalho como exegeta de Kant ou gramático especializado na extinta língua púnica.
Coisa semelhante me ocorreu domingo passado, ao assistir ao Canal Livre. Afinal, à exceção de minha sogra e do meu cunhado, é difícil imaginar alguém por quem nutra tanta antipatia quanto José Dirceu. No entanto, ao escutar os orneios, digo, as perguntas neutras e argutas dos periodistas a ele, no programa, transformei-me imediatamente em seu amigo íntimo e fã número um de sua honestidade.
— O senhor quer controlar a mídia? — pergunta um dos impassíveis interrogadores.
— Não, regulamentar — corrige o político. E enfatiza: — Regulamentação existe em Portugal, Canadá e em todos os países democráticos do mundo.
— Regulamentar não é controlar? — grita serenamente um segundo interlocutor.
— Não, regulamentar é regulamentar — explica o ex-ministro. — Como em qualquer país democrático do mundo, aliás.
— Controlando? — insiste, algo vermelho, o próximo debatedor.
— Não, regulamentando, como em qualquer país democrático do mundo — responde o sabatinado, limpando um perdigoto da testa. Prossegue a interrogação...
— E a liberdade de imprensa, como é que fica?
— Ora, regulamentada! Por sinal, como em qualquer país democrático do mundo.
— Mas isso é controlar a mídia, ministro!
— Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na França e em todos os demais países democráticos do mundo ou só no Brasil, caso regulamente?
— No Brasil, ministro, no Brasil!
— Ah, no Brasil, único país democrático do mundo onde ainda não existe a regulamentação?
— Então é isso! Sua proposta é de censura, né? O senhor tá fugindo da pergunta, ministro!
Antes que chamassem o entrevistado por um palavrão, desliguei a TV, lembrando que o comportamento da bancada não havia sido o mesmo quando o convidado do programa fora Fernando Henrique. Mas logo me dei conta de que a diferença de tratamento se devia, obviamente, ao fato de a inatacável presidência do ex-mandatário jamais ter motivado escândalos de compra de apoio de aliados no Congresso.
Então, satisfeito com a liberdade de que desfruta a nossa imprensa, meu primeiro impulso foi o de me filiar ao PT. Com tal intuito, entrei na página do partido na internet. Ali, procurando o local exato onde poderia proceder à filiação, acabei por ler uma série de notícias, coladas da Carta Capital ou Caros Amigos, relativas à perfeição absoluta do governo reeleito e à completa inexistência de corrupção entre os atuais gestores do Estado.
Assim, sorri ainda mais, inferindo que o não-engajamento grassa por toda parte. Depois, acendi uma vela para Stálin e outra para McCarthy — cada um a seu modo, santos defensores da mídia independente e da crítica desapaixonada. E rezei pelos editores do Vermelho e da Veja.
Por fim, tomado pela euforia que só as pessoas que apreciam a inteligência e o livre-pensamento possuem, tirei os arreios, as ferraduras, e fui dormir. Contente.
Para mim, as características básicas de nossa imprensa são a imparcialidade e a sapiência. Opiniões tão apartidárias quanto as de nossos redatores de notícias talvez só se encontrem entre os sunitas do Iraque ou os xiitas da Gaviões da Fiel. Por outro lado, muitas vezes, diante das críticas dos jornais às inumeráveis baldices ditas por Lula, por exemplo, chego à conclusão de que o presidente é poliglota e, ao término do mandato, poderá arrumar facilmente trabalho como exegeta de Kant ou gramático especializado na extinta língua púnica.
Coisa semelhante me ocorreu domingo passado, ao assistir ao Canal Livre. Afinal, à exceção de minha sogra e do meu cunhado, é difícil imaginar alguém por quem nutra tanta antipatia quanto José Dirceu. No entanto, ao escutar os orneios, digo, as perguntas neutras e argutas dos periodistas a ele, no programa, transformei-me imediatamente em seu amigo íntimo e fã número um de sua honestidade.
— O senhor quer controlar a mídia? — pergunta um dos impassíveis interrogadores.
— Não, regulamentar — corrige o político. E enfatiza: — Regulamentação existe em Portugal, Canadá e em todos os países democráticos do mundo.
— Regulamentar não é controlar? — grita serenamente um segundo interlocutor.
— Não, regulamentar é regulamentar — explica o ex-ministro. — Como em qualquer país democrático do mundo, aliás.
— Controlando? — insiste, algo vermelho, o próximo debatedor.
— Não, regulamentando, como em qualquer país democrático do mundo — responde o sabatinado, limpando um perdigoto da testa. Prossegue a interrogação...
— E a liberdade de imprensa, como é que fica?
— Ora, regulamentada! Por sinal, como em qualquer país democrático do mundo.
— Mas isso é controlar a mídia, ministro!
— Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na França e em todos os demais países democráticos do mundo ou só no Brasil, caso regulamente?
— No Brasil, ministro, no Brasil!
— Ah, no Brasil, único país democrático do mundo onde ainda não existe a regulamentação?
— Então é isso! Sua proposta é de censura, né? O senhor tá fugindo da pergunta, ministro!
Antes que chamassem o entrevistado por um palavrão, desliguei a TV, lembrando que o comportamento da bancada não havia sido o mesmo quando o convidado do programa fora Fernando Henrique. Mas logo me dei conta de que a diferença de tratamento se devia, obviamente, ao fato de a inatacável presidência do ex-mandatário jamais ter motivado escândalos de compra de apoio de aliados no Congresso.
Então, satisfeito com a liberdade de que desfruta a nossa imprensa, meu primeiro impulso foi o de me filiar ao PT. Com tal intuito, entrei na página do partido na internet. Ali, procurando o local exato onde poderia proceder à filiação, acabei por ler uma série de notícias, coladas da Carta Capital ou Caros Amigos, relativas à perfeição absoluta do governo reeleito e à completa inexistência de corrupção entre os atuais gestores do Estado.
Assim, sorri ainda mais, inferindo que o não-engajamento grassa por toda parte. Depois, acendi uma vela para Stálin e outra para McCarthy — cada um a seu modo, santos defensores da mídia independente e da crítica desapaixonada. E rezei pelos editores do Vermelho e da Veja.
Por fim, tomado pela euforia que só as pessoas que apreciam a inteligência e o livre-pensamento possuem, tirei os arreios, as ferraduras, e fui dormir. Contente.
Texto do Marconi Leal.
Marcadores: humor, Marconi Leal, politica
4 Comments:
Gostei do texto... bem humorado! bjs
Eu também gostei. Tanto que copiei aqui. O Marconi Leal tem umas tiradas ótimas.
:))
Obrigado, Zé. Grande abraço.
Valeu, Marconi!
[]
:))
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