sexta-feira, setembro 07, 2007

Do Terra Magazine: Atuação da mídia no mensalão beneficia corruptores

O estardalhaço da mídia em torno dos 40 denunciados pelo STF no caso do mensalão, além de passar a idéia de que já houve condenação de pessoas ainda não julgadas pela Justiça, contribui para manter na sombra os corruptores. A julgar pela cobertura jornalística, é mais importante dissecar os casos daqueles que teriam recebido dinheiro irregularmente do que investigar a fundo as fontes pagadoras, eventualmente beneficiárias de milhões de reais em recursos e outros bens públicos transferidos irregularmente.

O retorno excepcional da corrupção para a empresa privada, por exemplo, é superior ao de qualquer investimento convencional. Aqui e em outros países, o resultado do suborno chega a ser de mil a um milhão de vezes maior que o desembolso realizado.

Os capitalistas aventureiros da Era Dourada dos Estados Unidos, por exemplo, em vez de investir 250 mil dólares em uma empresa que poderia construir umas poucas milhas de ferrovias, preferiam, com o mesmo dinheiro, comprar a maioria de um comitê importante e um número suficiente de parlamentares em troca de milhões em empréstimos públicos, imensuráveis áreas de terra e uma sucessão de privilégios equivalentes, no total, a centenas de milhões de dólares. Por baixo, um custo-benefício de 1.000.000%, se considerarmos um benefício de 100 milhões de dólares como resultado da propina de 250 mil dólares.

A prática, típica do faroeste capitalista, continua em voga hoje, como mostra o caso da Enron. Em matéria de cálculo do custo-benefício da propina, ninguém superou a gigante americana do setor de energia, que afundou em 2001 em meio às suas próprias trapaças. A empresa desenvolveu um software para calcular a relação custo-benefício do suborno oferecido em troca de leis, regulamentações, concessões e outras vantagens sugadas do Estado.

O suborno não é, entretanto, o único modo de o empresário fazer com que o dinheiro do contribuinte vá parar no seu cofre. Os lobbies e as contribuições de campanha são instrumentos eficazes para atingir esse objetivo. O laboratório Glaxo Wellcome investiu 1,2 milhão de dólares em contribuições de campanha para estender por 19 meses a validade da patente do Zantac, no valor de um bilhão de dólares, com um retorno líquido de 83.333%. A indústria de cigarros desembolsou 30 milhões de dólares em contribuições em troca de isenções tributárias no montante de 50 bilhões de dólares. Retorno: 167.000%. Como contrapartida de contribuições de campanha, as empresas de telecomunicações obtiveram gratuitamente concessões para a TV digital no valor de 70 bilhões de dólares, com a taxa recorde de 1.400.000%.(1) A corrupção praticada pelos negócios privados, antes de ser um problema da ética dos negócios, é uma imposição da lógica inexorável da acumulação capitalista. O mesmo é possível dizer de inúmeras outras práticas empresariais transgressoras das leis. Fraudes, roubos, corrupção, irregularidades contábeis, reduções fictícias de valores de ativos, crimes tributários não são exclusividades de firmas marginais. Os escândalos empresariais dos anos 90 mostram que são corriqueiras também entre ícones do mundo dos negócios como Citigroup, J.P. Morgan Chase, Enron, WorldCom, Bank of America, Bankers Trust, Bank of New York, Halliburton, Global Crossing, Arthur Andersen e mais de uma centena de outros grandes grupos.

Os escândalos do Banco Nacional, do Comind, da Encol, da Mesbla, do Mappin, da Construtora Senap de Sérgio Naya, entre outros, mostram que, nesta área, o Brasil está sintonizado com o resto do mundo.

As revelações de corrupção agitam a mídia, mas o seu peso específico dentre todas as transgressões cometidas por empresas é reduzido. A corrupção gera algo em torno de US$ 30 bilhões por ano no mundo. Os demais crimes empresariais, a exemplo de subfaturamento, superfaturamento, transferência de preços abusiva e transações falsas, somam cerca de US$ 700 bilhões por ano. É quase 70% de todo o dinheiro sujo global, que inclui o produto do tráfico de drogas, falsificação de produtos e de moedas, tráfico humano, comércio ilegal de armas, contrabando, jogo ilegal, extorsão e também a famigerada corrupção.

Neste terreno minado, a situação do país, em que pese o trabalho incansável de funcionários públicos zelosos que trabalham nos órgãos de fiscalização e de repressão, é agravada pela condescendência de grande parte da mídia e da sociedade em relação ao crime empresarial. Os exemplos não se limitam aos casos acima mencionados. As propinas pagas em 1994 aos deputados federais que votaram a emenda da reeleição e a acusação feita ao mesmo governo, de aceitar suborno da empresa americana Raytheon, que teria estreitas relações com a Casa Branca e o Pentágono e venceu a francesa Alsthom para instalar o bilionário sistema de radar na Amazônia, são um marco mundial no campo das práticas não convencionais de empresas, políticos e governantes. Contam-se nos dedos os que ainda se lembra desse caso gravíssimo.

O mesmo é possível dizer sobre o maior escândalo financeiro do país, o do Banestado, que em 2004 apontou 91 políticos, empresários, banqueiros, autoridades e celebridades envolvidos em transferências ilegais para o exterior de mais de 150 bilhões de reais, entre 1996 e 2002. Note-se que o escândalo do Banestado tem o mesmo tamanho do da concessão da TV digital nos Estados Unidos.

Em que pesem as evidências sobre a centralidade das empresas no fenômeno da corrupção, muitas pessoas continuarão vendo no Estado a matriz do problema. Uma parte dessas pessoas é vítima de uma ilusão de ótica: os donos do dinheiro capturaram a máquina pública há tanto tempo que isso já é visto como normal.

(1) Os exemplos constam do livro Wealth and Democracy, de Kewin Phillips, escritor, comentarista de televisão e ex-assessor do presidente Richard Nixon.

Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp e é doutor em Economia pela Unicamp

Terra Magazine

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