quarta-feira, dezembro 22, 2010

Corte Interamericana condena Brasil por execuções no Araguaia

Corte condena Brasil por 62 mortes no Araguaia

Lei da Anistia não pode impedir punição de militares, afirma órgão da OEA

Segundo a sentença, como responsável pelo desaparecimento de guerrilheiros, Estado deve investigar caso

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia (1972-1975), maior foco da luta armada contra a ditadura militar.
A sentença determina que o Estado identifique e puna os responsáveis pelas mortes e afirma que a Lei de Anistia não pode ser usada para impedir a investigação do caso.
O governo foi notificado ontem da decisão, aprovada por unanimidade no último dia 24. O tribunal é vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em tese, o Brasil é obrigado a acatar suas determinações.
De acordo com a sentença, o Estado brasileiro é "responsável pelo desaparecimento forçado" dos guerrilheiros mortos pelas tropas que sufocaram a guerrilha.
Assim, deve promover uma investigação sobre os desaparecimentos "a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja".
Para a corte, as disposições da Lei da Anistia "carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação", "nem para a identificação e punição dos responsáveis" pelas mortes.

OUTROS CASOS
A decisão afirma ainda que a lei, aprovada em 1979, também não deve valer para "outros casos de graves violações de direitos humanos" durante a ditadura.
Esse trecho pode dar margem a novas condenações do país envolvendo o desaparecimento de opositores políticos do regime militar.
O texto estimula a criação da Comissão da Verdade, uma das propostas mais polêmicas do PNDH-3 (Plano Nacional dos Direitos Humanos), lançado em 2009. Ressalta, no entanto, que a iniciativa não substitui investigações no campo judicial.
O tribunal determinou que o Brasil realize "todos os esforços" para encontrar ossadas dos combatentes e promova um "ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional."
Além disso, ordenou que o governo federal crie "um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos" dirigido a "todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas".
Esse ponto deve provocar desconforto entre os militares, que travam batalha com militantes de direitos humanos contra o reconhecimento de que o Exército executou presos na guerrilha.
O caso do Araguaia se arrastava na Corte Interamericana desde 1995, quando o país foi denunciado por ONGs de direitos humanos. O julgamento só foi iniciado em maio deste ano.
O texto aprovado pelo órgão contabiliza 62 mortos, mas indica a existência de pelo menos mais oito desaparecidos no confronto.
O Itamaraty confirmou ontem que, pelas regras do direito internacional, o país é obrigado a cumprir a decisão, já que é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Apesar do entendimento, o ministro Nelson Jobim (Defesa) sustentou este ano que o país poderia evocar a Lei da Anistia para descumprir eventuais condenações.



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